Comportamento

Amanda Milléo

Aos 87 anos, ele já subiu 140 vezes o Pico do Marumbi e conta o segredo de tanta energia

Amanda Milléo
02/09/2018 12:00
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"A montanha é uma cachaça pra gente, ela vicia", diz Newton. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo.

Dos 1.539 metros de altitude do Pico do Marumbi, Newton Amaury Coimbra conhece cada palmo. Montanhista há mais de 70 anos, Coimbra se aventurou pelas trilhas e diferentes picos que fazem parte do conjunto, pelo menos, 140 vezes. A conta exata, no entanto, o senhor de 87 anos desconhece, visto que passou a calcular suas andanças pela natureza apenas depois de construir uma casa na região de Porto de Cima, em Morretes, aos pés do Marumbi, quando completou 51 anos de idade. Mas, a história desse avô com as montanhas — ora de paixão, ora de susto — começa ainda na infância, depois que seus pais decidiram levar os filhos do interior para a capital Paraná, lá pelos anos de 1944 . Essa paixão agora está retratada em livro, “Minhas Aventuras, um estilo de vida!” que será lançado no próximo dia 13.
Nascido em São Mateus do Sul, e criado em Porto Amazonas até os 13 anos, a vida no interior fez com que a natureza sempre estivesse presente no cotidiano de Coimbra. Não à toa que quando seus pais decidiram enviar os filhos para um colégio interno em Curitiba, com o objetivo de cursar o colegial (ou o ensino médio, como é conhecido hoje), Newton estranhou. O ritmo da cidade, a falta de o que fazer aos fins semana (mesclados entre matinês e missas) e a distância de casa tornaram os dias na capital monótonos. Até que um primo, que também vivia em Curitiba, decidiu levá-lo a se aventurar pela natureza na região metropolitana.
De caminhão, eles acompanharam o grupo chamado de Círculo Juvenil de Pioneiros, com a missão de desbravar a Gruta de Campinhos, parte do Parque Estadual de Campinhos, em Tunas do Paraná, a cerca de 80 km da capital.Subiu a montanha pela primeira vez com 15 anos. Se apaixonou.

“A montanha é uma cachaça para a gente, ela vicia. Você desce de lá cansado, com dor nas pernas e diz: ‘Ah não, eu não me meto mais nesse troço aqui’. Mas vão passando os dias, as semanas, a saudade vai batendo e no fim de semana seguinte estávamos lá de novo”, relata Coimbra.

Tão logo desceu o pico Marumbi, Newton se incorporou ao grupo Círculo Juvenil. Todos os fins de semana, os meninos se reuniam para conhecer e aprender, na prática, as técnicas e cuidados com o montanhismo, além de reforçar o respeito pela natureza. O grupo permaneceu com esse mesmo nome até os participantes envelhecerem e perceberem que não eram mais tão “juvenis”. E se transformaram em Círculo Paranaense de Pioneiros. “Aprendi tudo com aula prática desde o primeiro dia! Era escalada já na primeira vez, com 15 anos. Era um grupo de aventureiros, por isso chamamos pioneiros, embora tivessem marumbinistas escalando por lá bem antes de nós”, conta.

“Tropa de cavalos”

Na mochila, comida, uma cervejinha gelada – “sempre tem que ter, né?” – e nos pés as botas, que chamavam atenção de todos quando a equipe se deslocava pela Rua Barão do Rio Branco, até a rede ferroviária, para a próxima aventura. “Usávamos umas botas de couro que levávamos ao sapateiro para colocar uns cravos, umas pirâmides na sola, de forma a fixar nas fendas das rochas, nas saliências da montanha. Então, quando a gente descia a rua para pegar o trem, parecia uma tropa de cavalos! Hoje, por incrível que pareça, os montanhistas que fazem escalada técnica não usam bota. Parece mais uma sapatilha de bailarina, mas com um solado bem aderente, que fixa bem”.
Sob chuva, ou sol, nada impedia os pioneiros. “Antes nem pensava em levar uma muda de roupa. Se chovesse, voltávamos molhados mesmo. Hoje em dia, nas minhas caminhadas, levo uma mala, reservo hotel, restaurante, ônibus. Até por que, mesmo agora, se chover, não pode cancelar, sai todo mundo do mesmo jeito”, diz Newton, com seriedade e firmeza, para o nervoso da família.

Parada técnica e retorno ao sonho

Embora nunca quisesse parar, a vida exigiu mais atenção de Newton. Casamento, estudos e o nascimento e criação dos filhos ocuparam a mente e a rotina do empresário, que passou de 1960 a 1982 sem escalar com a mesma frequência. Caminhadas com a família pela natureza, porém, sempre permaneceram, bem como piqueniques e o turismo ecológico na região – mas nada de aventuras mais “arrojadas”, como ele mesmo pontua.
Em 1982, porém, diante de restos de material de construção que haviam sobrado depois da montagem de uma fábrica de abajures na cidade industrial da capital, Newton teve uma ideia que uniria novamente sua vida com as trilhas do Pico Marumbi.
“Resolvi construir uma casa em Porto de Cima, em Morretes. Comprei um terreno e com a sobra de construção, fizemos a casa, que está lá até hoje. A casa me reativou o que estava guardado. Poxa, eu estava ao pé do Marumbi, vendo ele na minha frente. Não preciso mais pegar trem para chegar. Eu podia abrir o portão, subir a montanha e de tarde estaria em casa. O Marumbi era o nosso quintal”, recorda com nostalgia.
Maior parte do treino de Nicleivicz foi em casa, no Pico marumbi. Foto: denis Ferreira Neto/SEMA.
Maior parte do treino de Nicleivicz foi em casa, no Pico marumbi. Foto: denis Ferreira Neto/SEMA.
A partir de então, Newton resolveu contar todas as vezes que subiria o Marumbi. Entre 1982 a 2011, quando completou 80 anos, foram pelo menos 140 visitas ao conjunto de montanhas e seus diferentes tipos. Mas, se contabilizar todas as idas anteriores a esse período, durante a juventude, é bem provável que o número dobre. O local preferido, Newton não esconde: o morro Olimpo – cume mais alto, com seus 1,5 mil metros de altitude.
“É o mais bonito, para mim. O visual dele, as características. Já disse até para os meus que, quando morrer, quero minhas cinzas lá em cima, na ponta do Tigre. Sei que eles não vão levar, porque até eu ir embora, eles estarão bem mais velhos também. Mas, o sonho é esse”, conta rindo.
Único susto
Foi também no seu local preferido do Marumbi que Newton teve o maior susto na vida de montanhista. Justo no dia de celebração dos seus 80 anos, enquanto os familiares preparavam uma festa para 120 convidados, o aniversariante decidiu subir o Pico mais uma vez, já que havia se tornado tradição comemorar cada nova idade sob o ar da montanha. Desta vez, porém, o tempo ruim tornou a aventura mais assustadora do que deveria.
“Era um dia com neblina, garoa e frio, e as pedras estavam muito lisas. Saímos de casa no Porto de Cima às 22h e o tempo estava fechado, mas pensei que amanheceria com o sol e veríamos tudo de cima. Que nada! O plano era chegar ao Olimpo, tirar a fotografia dos 80 anos e voltar. Infelizmente não cheguei até lá”, relembra Newton.

“Eu estava descendo um trecho, a mil metros acima da estação, onde teria de descer pelos grampos fixados na rocha, que formavam uma escada. Tem uns trechos que são assim, outros são de corrente. Quando estava passando da escada para a corrente, escorreguei e a sorte foi que não larguei as correntes. Se eu tivesse largado, já estava em pó em cima da Ponta do Tigre. Segurei, e vim escorregando por elas.”

Uma colega, que estava caminhando junto, não conseguiu se segurar e caiu. Embora tenha fraturado algumas costelas, foi resgatada rapidamente e se recuperou. Justamente naquele ano, em 2011, as enchentes no litoral do Paraná ocuparam os bombeiros da região, que cuidavam dos quase cinco mil moradores desabrigados. Poucos deles conseguiram ser deslocados para auxiliar a equipe de resgate do Marumbi no atendimento ao grupo.
“O acidente foi às 16h do sábado e eu consegui ir andando até a estação do Marumbi. Mas levei 9 horas em um trecho que eu faço normalmente em uma hora e meia”, relembra Newton. O esforço físico em excesso por descer pelas correntes, associado ao frio, fez com que uma enzima liberada no sangue paralisasse os rins de Coimbra, além de formar micro lesões pelo corpo.
Como resultado, ele, então com 80 anos, ficou internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) durante um mês – para o desespero da família.

Legado de montanhista

Newton com o seu famoso "maranhaque". Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo.
Newton com o seu famoso "maranhaque". Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo.
Com o susto, a família pediu para que Coimbra não se aventurasse mais – ainda por cima sozinho – pelas montanhas. Embora ainda seja um vício, Newton se adaptou à nova vida. Semanalmente vai à academia para manutenção da musculatura e sempre que pode leva a família para caminhadas pela região metropolitana.
Uma característica, porém, ele mantém viva até hoje, e pela qual é lembrado por todos: o maranhaque. Newton não esconde que, a cada aventura, levava uma cerveja ou uma batida de limão – seu preferido – como forma de dar energia e recompensa pelo desafio. Num dia de tédio em casa, sem montanhas a escalar, decidiu incorporar o alquimista e criar uma bebida nova.
“Misturei suco de maracujá com conhaque até chegar ao ponto certo. Completei com açúcar e ficou bom. Desde então, em cada caminhada, eu levo o Maranhaque. Preparo uns dias antes, deixo na geladeira, coloco em uma embalagem de vodka, de alumínio, e um copinho, pequeno, que divido com os demais montanhistas. Todo mundo que viaja me traz, de lembrança, um copinho igual ao meu. Tenho de vários países diferentes, desde a Rússia até o Chile. Sempre que alguém vai viajar, eu digo: não se esqueça do copinho!”.

SERVIÇO:

Lançamento “Minhas Aventuras – Um Estilo de Vida”. Dia 13/9 (quinta-feira), no Sesc da Esquina (R. Visconde do Rio Branco, 969), das 18h às 21 horas. Entrada franca.
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