Comportamento

Amanda Milléo

“Vai uma mãozinha aí?”: Mariana Torquato mostra desafios de pessoas com deficiência

Amanda Milléo
18/03/2019 08:01
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Mariana Torquato é a criadora do canal no Youtube "Vai uma mãozinha aí?", que discute a representatividade da deficiência no Brasil (Foto: Reprodução Youtube)

Nas aulas de basquete, vôlei ou futebol na escola, Mariana Torquato nunca era escolhida pelos colegas para completar a equipe. Quando era hora de dançar a ciranda nas festas junina, quem ficava do lado esquerdo dela não sabia bem o que fazer. E nas brincadeiras de “adoleta”, que dominavam os intervalos das aulas nos anos 1990, ninguém queria bater as mãos com a menina.
Agora talvez seja um bom momento para explicar que Mariana nasceu sem o antebraço esquerdo. A jovem, hoje com 26 anos e moradora de Florianópolis (SC), não sabe bem dizer se a deficiência foi resultado de alguma medicação que a mãe tomou durante a gestação ou simplesmente acaso do destino.

Fato é que, anos depois de muito bullying, discriminação e falta de representatividade de pessoas com deficiência na mídia, Mariana criou um canal no Youtube para expor o assunto, chamando-o de “Vai uma mãozinha aí?”.

Hoje, com 154 mil inscritos, o “Vai uma mãozinha aí?” é considerado o maior canal sobre pessoas com deficiência do Brasil, dividindo espaço com um perfil no Instagram (40 mil seguidores) e uma página no Facebook (10 mil curtidas), onde a jovem debate os direitos já alcançados e os que ainda estão longe de chegar aos deficientes do país.
“Quando chegou o momento das Paralimpíadas, eu vi como elas estavam sendo subnoticiadas. Não passava na TV. E então veio a capa da revista Vogue com a Cleo Pires e o Paulinho Vilhena ‘photoshopados’ como deficientes e aquilo me deixou muito indignada, pelo roubo da representatividade”, relata Mariana, em entrevista ao Viver Bem.
Sentindo que ela precisava apontar essas discrepâncias e destacar os desafios das pessoas com deficiência no Brasil, Mariana gravou o primeiro vídeo. “No primeiro dia, ele teve poucas visualizações. Eu pensei: não vai dar certo, ninguém está falando sobre isso. Mas chegou um momento que eu não conseguia inventar mais desculpas para mim mesma para não fazer isso, e desde então não parei mais”, diz.

O que aconteceu com o meu braço?

Nesses três anos em que o canal está ativo, os vídeos com maior número de visualizações ainda são o “O que aconteceu com o meu braço” e aqueles em que Mariana mostra como ela se vira no dia a dia, desde amarrando o cabelo, prendendo um colar no pescoço, pintando a unha e até depilando a axila.
“As pessoas tem curiosidade e a primeira coisa que elas querem saber quando me conhecem é: ‘o que aconteceu com o seu braço?’. [Fazer os vídeos] foi desafiador no começo, mas foi muito bem recebido. Eu exponho como eu faço as coisas, mas não exponho muito da minha vivência. Eu criei o canal para ser sobre deficiência, não sobre mim. Quero que ele traga informações sobre deficiência, mas não só a minha”, relata Mariana.
Do retorno dos seguidores, a influenciadora digital conta emocionada como muitas pessoas perguntam a ela sobre como educar filhos que também tem algum tipo de deficiência. “É mais difícil para uma pessoa com as duas mãos fazer coisas com uma só mão ou educar uma criança com uma mão. Muitos dos vídeos que eu faço é por demanda dos pais, ou de pessoas com deficiência, ou mesmo pessoas que por algum caminho da vida se veem deficientes. É uma troca muito boa com o público e isso me fez esquecer um pouco da minha exposição”, diz a jovem.

“Minha maior motivação para criar o canal era mostrar aos outros que tem um bracinho, ou qualquer outra deficiência, que está tudo bem ser assim e ocupar esse espaço da internet também é legal. Eu sempre achava que não poderia fazer certas coisas, como ser médica, até que eu conheci uma seguidora que é cirurgiã” — Mariana Torquato, criadora do canal “Vai uma mãozinha aí?”, maior canal sobre pessoas com deficiência do Brasil. 

"Vai uma mãozinha aí?" é o maior canal no Youtube sobre deficiência no Brasil (Foto: reprodução Instagram)
"Vai uma mãozinha aí?" é o maior canal no Youtube sobre deficiência no Brasil (Foto: reprodução Instagram)

Pessoas com deficiência não precisam de ajuda

Uma mensagem recorrente nos vídeos é a de que pessoas com deficiência não precisam de ajuda, mas de respeito, inclusão e representatividade. Uma vez que as deficiências sejam divulgadas sem estranhamento, o próximo passo é a naturalização das mesmas, ao que Mariana exemplifica:
“Se eu fosse trabalhar no Jornal Nacional, na primeira semana eu seria Trending Topics do Twitter. Hashtag, a menina sem braço no jornal. Na segunda semana, todo mundo já estaria acostumado e não seria nada demais. Quando você passa a ver pessoas com deficiência, deixa de ser incomum, estranho. Você não nota mais a diferença e essa é a importância da representatividade.”
Outro exemplo da falta de respeito constante com relação às deficiências no Brasil é o uso, por pessoas sem deficiência, dos banheiros preferenciais.

“Acho que isso é falta de educação mesmo. Falta de empatia, de respeito e principalmente quando a pessoa tenta justificar. Eu tenho um vídeo que eu conto de um barraco que fiz na universidade com um casal que se achava no direito de usar a vaga preferencial todos os dias, por cinco minutos. Você é vista como chata, louca, maluca”, lembra Mariana.

O mais irônico, continua a jovem, é que essas são as mesmas pessoas que não demoram segundos para julgar quando ela sai de um carro estacionado na vaga preferencial. “Se você não usa uma cadeira de rodas, para muita gente você não é uma pessoa com deficiência. A mesma pessoa que julga um deficiente que não é aparente é aquela que usa a vaga preferencial, o banheiro preferencial”, completa. Não se trata apenas de falta de informação, segundo a influencer, mas também de pessoas que preferem fingir que não sabem.

Como lidar com os haters?

Engana-se quem acha que não há haters contra as pessoas com deficiência. Para lidar com as mensagens de ódio que recebe via internet, Mariana teve uma ideia inovadora: não seria ela quem iria respondê-los. Marcely, sua alterego debochada, usando uma peruca colorida, faria esse trabalho.
“Eu já tinha aquela peruca fazia um tempo e eu pensei que usar a Marcelly poderia trazer um pouco mais de humor. Eu queria desvincular essa coisa séria, já que o canal aborda assuntos muito sérios. É também uma oportunidade de transformar um limão em uma caipirinha em cima dos haters. Usar o deboche e a ironia é mais fácil de dar uma resposta a altura dessas frases que recebo e quando tento manter a compostura é mais difícil ser educada do que quando sou irônica”, explica.
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