Comportamento

Redação, com Amanda Milléo e Rafael Adamowski, especial para Gazeta do Povo

Como identificar se seu filho está praticando ou sofrendo bullying

Redação, com Amanda Milléo e Rafael Adamowski, especial para Gazeta do Povo
22/10/2017 15:17
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Identificar as atitudes - de quem pratica e de quem sofre - é fundamental para ajudar as crianças e adolescentes. (Foto: Bigstock)

Quando se trata de bullying é comum focar a atenção na criança vítima das agressões. No entanto, em muitos casos se esquece de apurar o comportamento do agressor. Assim como o agredido apresenta mudanças no comportamento, a criança ou adolescente que pratica o bullying também pode expor sinais que permitem aos pais identificarem previamente essa atitude.
O caso do adolescente de Goiás, de 14 anos, que disparou uma arma contra os colegas de escolas levanta a discussão sobre o problema. O estudante do 8º ano  é  filho de policiais militares. Ele argumentou para os colegas que estava cansado de ser chamado de “fedorento” e ser alvo de piadas.
Mas é possível prever o comportamento – tanto de quem está sofrendo bullying como praticando? Para a psicopedagoga e especialista em educação especial e em gestão escolar Ana Regina Caminha Braga, em recente entrevista para o Viver Bem, sim. 
Estes sinais envolvem atitudes, caráter, linguagem, afetividade e comportamento. “O agressor modifica a estrutura, a linguagem se torna mais agressiva, impõe pensamentos, condutas, desmerece colegas e manipula situações”, observa a psicopedagoga.
Ela esclarece que devido à maior dificuldade de identificação do praticante do bullying, o convívio familiar também pode servir de sinal. Entre os indícios que podem representar que o filho é agressor no ambiente escolar estão as atitudes com parentes próximos, como brigas contínuas com irmãos, primos, ou outras pessoas próximas.
Segundo Ana Regina o bullying pode ocorrer não apenas por questões cognitivas, mas também culturais. “A criança nem sempre tem consciência do que pratica”, adverte a psicopedagoga. Para prevenir que a criança se torne agressora, é necessário que os pais conheçam de fato seus filhos e tenham envolvimento com mais diálogo, maior participação na rotina, e manutenção permanente do contato com as escolas.
Na visão da especialista, os pais precisam estar sempre atentos ao problema, seja o filho vítima seja o filho agressor, uma vez que ambos precisam de ajuda e apoio psicológico.
Como identificar?
Apesar dos alertas nos últimos anos, o bullying continua sendo visto por muitos pais e professores como um ritual de passagem, algo natural e corriqueiro no ambiente escolar. Entre as crianças sempre existirão desentendimentos, seja em uma brincadeira ou atividade em sala de aula, e a diferença para o bullying está na frequência desses atos e, principalmente, nas consequências. Para as psicólogas Joseth Jardim Martins e Raquel Kämpf, autoras do livro Preconceito e Repetição: Diferentes Maneiras de Entender o Bullying, as soluções não se restringem mais à sala de aula e nem apenas ao ambiente familiar. Discutir o bullying deve envolver todos, dos pais e vizinhos aos funcionários da escola.
Identificar as atitudes -<br> de quem pratica e de quem sofre - é fundamental para ajudar as crianças e adolescentes. (Foto: Bigstock)
Identificar as atitudes -<br> de quem pratica e de quem sofre - é fundamental para ajudar as crianças e adolescentes. (Foto: Bigstock)
Confira os mitos e verdades da prática:
Brigas na sala de aula indicam o bullying
Não é tão simples, e o bullying não se constrói de um dia para o outro. São ações diárias, contra uma pessoa específica, sem um motivo aparente, e normalmente em espaços longe dos professores, não apenas dentro da sala de aula. Quando a escola reconhece que no pátio, no banheiro, na cantina pode estar ocorrendo o bullying, é o primeiro passo para uma intervenção mais direta. “Todas as pessoas que trabalham no ambiente escolar, da pessoa que recebe as crianças na porta do colégio à zeladora ou funcionária da cantina, precisam estar conscientes de que o bullying existe e de que forma eles podem intervir”, afirma a psicóloga Raquel Kämpf.
Repreender a criança é uma atitude válida
Ao ver uma situação de bullying, a presença de qualquer adulto causa uma intimidação na criança agressora, ao mesmo tempo em que dá proteção à vítima. Depois dessa repreensão, o afastamento das crianças é o segundo passo. “O distanciamento é importante até para preservar todas as crianças envolvidas. Mas, não dá para deixar passar, fingir que nada aconteceu ou que é uma situação corriqueira. É importante que depois todos sejam chamados para discutir a situação”, explica a psicóloga Joseth Martins.
Pais da vítima ainda culpam a criança pelo bullying
Infelizmente, de acordo com as psicólogas, pais que culpam seus filhos vítimas pelo bullying ainda é uma situação recorrente. “Por que você não reagiu? Por que não respondeu?” são questionamentos comuns, mas errados. Devido a isso, é muito comum a criança vítima trazer um sentimento de inferioridade, seja intelectualmente ou em relação aos seus aspectos físicos, escolha de gênero ou de sexualidade. Para ajudar, ela precisa de um fortalecimento maior da autoestima e acompanhamento psicológico, tanto quanto a criança agressora.
Pais do agressor podem não perceber as necessidades da criança em casa
Quando a escola convida os pais do filho agressor para conversar, surgem as possibilidades e justificativas que levam a criança a agir daquela maneira. “Ela não é assim porque deseja intencionalmente praticar o bullying, mas muitas vezes ela precisa de mais atenção em casa, sofre de inseguranças e precisa de mais apoio na formação de uma personalidade e uma identidade mais humana”, afirma Joseth.
Construção de identidade humana se faz em casa
Não é bem assim. Embora o bullying possa ser evitado em conversas na família sobre aceitação do diferente, respeito ao próximo, a escola é o ambiente onde as crianças acabam passando a maior parte do tempo. Os professores e profissionais do ensino precisam estar amparados e preparados para lidar com essas questões – a escola tem inclusive uma responsabilidade jurídica com esses casos.
Diminuíram as práticas de bullying nos últimos anos
Infelizmente, não é isso que as psicólogas percebem no cotidiano. Há ainda quem pense que o bullying se resolve somente depois que ele acontece, quando na verdade deveria haver um trabalho preventivo. “O bullying é um fenômeno social, que está dentro de um contexto de violência nas relações cotidianas. Enquanto não entendermos que cada um de nós constrói relações violentas quando desrespeita o outro, quando pensa só em si, nada vai mudar”, explica Raquel.
Doença social
Fazer bullying não se restringe às paredes da escola e nem fica apenas entre as crianças. O papel social dessa prática, segundo a psicóloga Joseth Martins, é servir de termômetro para medir as relações sociais de hoje. “A sociedade é extremamente consumista, e o sintoma mais importante é a ‘coisificação’ do outro. Eu tenho coisas, adquiro e descarto com facilidade e quando isso se tornou mais acessível, o ‘ter’ vai ser sempre o direcionador das minhas atitudes”, explica.
Bullying e maus-tratos
Sofrer bullying dos colegas na infância pode causar mais danos na saúde mental das vítimas do que os maus-tratos vindos dos adultos. O efeito único do bullying foi comprovado em um estudo publicado na revista científica Lancet Psychiatry. De acordo com a pesquisa, as crianças que sofriam apenas maus tratos dos adultos não apresentaram o mesmo risco de desenvolver ansiedade e depressão da mesma maneira que as crianças que também sofriam bullying entre os colegas.
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