Comportamento

Amanda Milléo

Flores, fotos e orações: lembrar quem morreu ajuda a fazer as pazes com a perda

Amanda Milléo
02/11/2018 07:00
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Visitar o cemitério pode ajudar algumas pessoas na elaboração do luto (Foto: Ivonaldo Alexandre / Gazeta do Povo / Arquivo) | GAZETA

Ir ao cemitério no dia de Finados, arrumar o túmulo, trocar as flores, acender velas e fazer orações são formas de manter viva uma relação que, embora não seja mais física, ainda existe. Ter em mente as memórias, especialmente as que retomam momentos agradáveis com a pessoa, também colabora com o processo do luto, ajudando a fazer as pazes com a perda.
Isso não é regra e nem todo mundo pode se sentir confortável, principalmente aqueles que não tiveram a chance de elaborar o luto. Mas, entre as pessoas que vivenciaram as fases da perda (da negação, raiva, barganha/negociação e depressão até aceitação), e conseguiram dar continuidade à vida, as lembranças no dia de Finados podem ser benéficas até para “conversar” com quem já se foi.
“Acontece muito a situação de ‘não pude me despedir, não pude dar tchau’. E, na verdade, podemos nos despedir mesmo depois que a pessoa foi embora. Falamos, no fim, com nós mesmos, mas intimamente estamos ressignificando o momento da perda“, explica Fernanda Lopes, psicóloga da Comissão de Psicologia Clínica do Conselho Regional de Psicologia do Paraná – Campos Gerais.
Essa conversa não precisa ser, necessariamente, em voz alta. Ao limpar o túmulo, passear por um lugar que vocês sempre iam, fazer uma oração, acender uma vela, você também está “conversando” e cuidando da sua relação com aquela pessoa. E essas formas de conversar também sofrem interferências culturais.

Conversar para não se esquecer

Enquanto no Brasil há uma cultura de homenagear os mortos com silêncio, resguardo, orações e flores, outros países elaboram a sua relação com os que já se foram de uma forma mais festiva. O exemplo mais clássico é dos mexicanos, que celebram o Día de los Muertos como uma festa em celebração da vida.
Dias antes, as famílias decoram as casas, separam as fotos dos parentes e amigos que morreram e preparam suas receitas favoritas. A foto, inclusive, como representada no filme da Pixar, “Viva – A vida é uma festa“, tem uma função ainda mais importante: não deixar a pessoa cair no esquecimento (além de possibilitar a vinda dos mortos ao mundo dos vivos pelo dia).
No Filme Viva - A vida é uma festa, o personagem Coco acredita que um famoso músico seria o seu avô e vai ao mundo dos mortos tentar encontrá-lo (Foto: reprodução)
No Filme Viva - A vida é uma festa, o personagem Coco acredita que um famoso músico seria o seu avô e vai ao mundo dos mortos tentar encontrá-lo (Foto: reprodução)
“É muito forte a crença mexicana que, ao manter a foto da pessoa, ela ainda será lembrada. No Brasil não temos muito isso, mas as pessoas tendem a associar o esquecimento ao fim da dor, o que não é verdade. Depois de um tempo você é capaz de lembrar, rever fotografias e, sem deixar de amar, viver o luto de uma forma saudável“, explica Michele Maba, psicóloga que trabalha com grupos de luto em Curitiba.
A exigência pela felicidade que a sociedade vive hoje também pode afetar de forma negativa na elaboração do luto, tornando-o mais “leve” do às vezes é necessário. “Estamos desconectado um pouco das tradições. Uma viúva não passa mais o resto da vida usando roupas pretas e não faz tanto tempo que isso era uma realidade. Hoje as pessoas se permitem um pouco mais de leveza, porque a sociedade espera uma felicidade constante. E sempre há o julgamento”, diz a psicóloga.
Se alguém se resguarda por meses, ela será julgada. Da mesma forma se a pessoa se permite sair e tentar se divertir pouco tempo após a perda. É preciso lembrar também, conforme ressalta Luciana Tiemi Kurogi, psicóloga do hospital do Idoso Zilda Arns, que o sofrimento e a tristeza fazem parte do processo. “Os psicólogos consideram que passar pelo sofrimento é essencial, porque tanto ele quanto a tristeza fazem parte do luto, e a pessoa deve passar por isso durante a perda.”
E, no fim, não há regra:

“Algumas pessoas adoram encher a casa com fotografias e manter viva de alguma forma essa homenagem. Há quem não consiga lidar com isso, e essas pessoas não estão erradas. Há quem precise um pouco mais de tempo para ver as imagens e os vídeos, porque isso pode machucar brutalmente. Não tem certo e errado, não existe regra no luto, e é preciso respeitar o desejo do enlutado”, reforça Maba. 

Grupos de luto em Curitiba

Neste domingo (04), às 11h, o grupo de apoio aos enlutados Jardim da Saudade se reúne nas capelas do cemitério Jardim da Saudade, localizado em Pinhais. O grupo sempre faz as reuniões nos primeiros domingos do mês e os encontros são gratuitos, sem necessidade de inscrição ou agendamento. Todos são bem-vindos.
Além desse, Curitiba tem vários grupos de apoio aos enlutados, que atendem em diferentes dias e horários. Confira alguns dos principais, e se souber de outros grupos que não estão na lista, encaminhe para o viverbem@gazetadopovo.com.br.
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