Comportamento

Flávia Schiochet

Convento em Curitiba completa 60 anos e recebe visitantes durante o dia

Flávia Schiochet
04/11/2018 17:00
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Irmã Diva e Irmã Margarida em frente à gruta de Nossa Senhora de Lourdes, construída em 1987. Irmã Belém, falecida em 2011, foi uma grande devota da santa. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

Em frente à capela, uma haste delicada venceu alguns centímetros de terra e gramado para uma íris lilás florescer. “Às vezes estou andando por aqui e vejo uma íris, lírios, uma palma, plantas de outros tempos voltarem”, conta Irmã Maria Diva, trajando um hábito cinza, véu branco, um casaco felpudo preto e óculos de lentes fotossensíveis — aqueles que ficam escuros quando expostos ao sol. Ela é uma das quatro irmãs que vivem em clausura no Convento Solitude, no bairro Cajuru, e também a mais nova. Tem 65 anos, 45 deles dedicados à vida religiosa contemplativa.
Prestes a completar 60 anos, o Convento Solitude da Congregação Nossa Senhora de Sion fica atrás do Colégio Sion, e pode ser visitado todos os dias. Antes, o interessado precisa ligar para verificar se há a disponibilidade de alguém recebê-lo. A capela e o convento são rodeados por um bosque, um verdadeiro bálsamo para o ser urbano. É comum que as crianças, depois da aula, corram entre as imensas castanheiras e arbustos de azaleia. A comunidade pode assistir à missa, rezada às 7h por padres palotinos, e participar das orações diárias. A igreja conta com confortáveis bancos de madeira, genuflexórios com almofada, cadeiras para estudo e um altar discreto.
A capela do Convento Solitude foi reformada em 2000 e a comunidade pode assistir à missa das 7h, rezada por padres palotinos. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
A capela do Convento Solitude foi reformada em 2000 e a comunidade pode assistir à missa das 7h, rezada por padres palotinos. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo

O Convento Solitude completa 60 anos em novembro. Durante o sábado, 24, será realizada uma série de celebrações, com missa às 10h.

Discrição, aliás, é uma qualidade intrínseca a um monastério, seja na decoração, seja no comportamento das irmãs. Mas não significa sisudez: risonhas, elas recebem os visitantes com incontáveis abraços e bom humor invejável. Ficam felizes em poder ensinar sobre a história da Congregação, sanar dúvidas, relembrar anedotas e apresentar os arredores a quem quer que seja.
Diva, a irmã mais velha de seus seis irmãos, era uma criança de quatro anos no minúsculo município paranaense de Ibaiti de 1957, quando as irmãs Sílvia Maria, Yvonne, Belém, Veronique Marie e Bernadete Marie, recém-chegadas a Curitiba, posavam para uma fotografia em um terreno vazio. A “colina” teria, dali um ano, uma edificação para abrigar a primeira unidade fora da Europa da Congregação Nossa Senhora de Sion. A íris lilás que brotou timidamente em frente à capela é remanescente da época em que Irmã Yvonne cuidava pessoalmente dos jardins e voltava para as orações do dia com os pés cheios de barro.
A natureza que circunda o terreno doado pela família Franco para a Congregação diminuiu década a década com a urbanização de Curitiba. A área, atualmente de cerca de dois hectares, era parte da herança da filha de Arthur Martins Franco, o Comendador Franco, Maria Josephina Monteiro Franco. Este era o nome de batismo de Irmã Belém, que faleceu em 2011 aos 102 anos. Mesmo contornado por rodovias, o endereço ainda é certeza de um silêncio selvagem: pia o gavião, pousa na cruz a garça, tomam banho nas poças saracuras e sabiás.
A castanheira faz sombra ao espaço de reunião a céu aberto no Convento Solitude, no bairro Cajuru. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
A castanheira faz sombra ao espaço de reunião a céu aberto no Convento Solitude, no bairro Cajuru. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Os bosques e jardins do convento guardam uma série de estátuas de Nossa Senhora para contemplar — a das Graças fica acima de uma “capela” verde no jardim atrás da cozinha; a do Silêncio, um dos primeiros ícones que as irmãs receberam, ainda nos anos 1960, no pátio interno. Uma passagem estreita entre o arbusto e o portão de acesso ao convento é um atalho para a gruta de Nossa Senhora de Lourdes, construída em 1987, uma iniciativa de Irmã Belém, famosa por inúmeras conquistas — a linha de ônibus Solitude, que sai da Praça Carlos Gomes em média a cada 15 minutos em dias úteis, é uma delas. Uma costela-de-Adão cresceu sobre as pedras do lado esquerdo e coroa a pequena edificação.
Irmã Margarida mostra o quadro de comemoração dos 100 anos de Irmã Belém, em 2009. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Irmã Margarida mostra o quadro de comemoração dos 100 anos de Irmã Belém, em 2009. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo

Hospedagem e cotidiano

Há quatro quartos na hospedaria do convento, apesar de as irmãs não chamarem o espaço assim. Os aposentos contam com uma cama de solteiro, um armário, uma cadeira, uma escrivaninha e uma Bíblia. Os hóspedes, estejam eles em retiro individual ou em um pequeno grupo, são os responsáveis por preparar o próprio café da manhã e ceia. Apesar de o convento não cobrar diária, há o valor recomendado de R$ 70 como contribuição para manutenção do serviço.
Os aposentos da hospedaria do Convento Solitude tem uma cama, um armário e uma escrivaninha. O valor sugerido para contribuição é de R$ 70 a diária. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Os aposentos da hospedaria do Convento Solitude tem uma cama, um armário e uma escrivaninha. O valor sugerido para contribuição é de R$ 70 a diária. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
O espaço em comum conta com uma cozinha espaçosa e uma pequena sala com poltronas e pinturas de Souer Marie François Lin, da Notre-Dame de Sion. Logo na porta de entrada, um pequeno armário exibe livros e um menorá, o candelabro judaico para sete velas. O objeto é um lembrete da interpretação que esse “braço” da Igreja Católica tem: o cristianismo é uma continuidade do judaísmo, e não uma ruptura.
A hospedaria é usada por irmãs, padres e retirantes, hóspedes que seguem uma série de horários de acordo com o cotidiano no convento: a primeira oração é às 6h30, seguida de missa às 7h. O café é servido às 7h45, com a segunda oração do dia às 8h20 e a terceira, às 12h10. O almoço, preparado pelas irmãs, é servido às 12h30. A tarde é reservada para estudos individuais e eventuais afazeres como ir ao médico, ao supermercado, à farmácia. Às 17h45 é a quarta oração do dia, que precede o jantar, às 18h30. A última oração é às 19h30. Menos de duas horas depois, as irmãs já estão na cama.
O menorá (candelabro para sete velas da tradição judaica) no armário da hospedaria é um lembrete de que a  congregação considera o cristianismo uma continuidade do judaísmo, e não uma ruptura. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
O menorá (candelabro para sete velas da tradição judaica) no armário da hospedaria é um lembrete de que a congregação considera o cristianismo uma continuidade do judaísmo, e não uma ruptura. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
É fisiologicamente necessário deitar cedo: além de um dia a dia ininterrupto dedicado à oração e ao trabalho de manutenção, a força física e a energia que as quatro irmãs esbanjavam carregando tachos de bananada diminui a cada ano: além de Irmã Diva, vivem em clausura as irmãs Maria Célia, de Santa Catarina e com 74 anos, a argentina Elodia, de 74 anos, e a mineira Margarida, de 79 anos. Além delas, moram três irmãs “ativas” em outra ala da casa.
A falta de irmãs mais jovens no Convento Solitude é um lamento não pronunciado e o fenômeno pode ser explicado pelas mudanças experimentadas a partir da década de 1960. “Houve uma abertura, uma série de opções para se levar uma vida religiosa”, observa Irmã Diva.
Coincide de, no mesmo período, diferentes práticas de professar a fé serem reconhecidas pelo Concílio Vaticano II, realizado entre 1962 e 1965, e terem surgido novos grupos e comunidades, como os carismáticos. A queda de religiosas professas não é exclusividade da congregação: em um cenário global, o número de freiras caiu 8,7% entre 2010 e 2016, segundo o Annuarium Statisticum Ecclesiae. Ao passo que, durante o mesmo período, o número de católicos batizados cresce globalmente. As irmãs confiam no tempo: sabem que mesmo depois de anos, íris liláses teimam em nascer.
A íris lilás que brotou em frente à capela é remanescente da época em que Irmã Yvonne, décadas antes, cuidava do jardim. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
A íris lilás que brotou em frente à capela é remanescente da época em que Irmã Yvonne, décadas antes, cuidava do jardim. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Serviço
Convento Solitude. R. Dr. Petrônio Romero de Souza (BR-277), 930, Cajuru — (41) 3366-0019. Melhores horários para falar com as irmãs entre 9 e 12h e 15 e 17h.

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