Comportamento

Carolina Werneck

Dia da Saudade: como conviver com ela quando se mora no exterior?

Carolina Werneck
30/01/2018 11:22
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O Dia da Saudade é celebrado nesta terça-feira (30). Foto: Pixabay

Segundo um ranking feito em 2004 pela empresa britânica Today Translations, “saudade” é a 7ª palavra mais difícil de traduzir. Na lista também estão outros sentimentos em polonês, japonês, árabe e até tshiluba, idioma falado na República Democrática do Congo.
É que ter saudade não é só sentir falta. Saudade vai além, costura imagens, perfumes e sons que parecem ainda estar presentes em algum lugar do corpo ou da alma. Em um poema chamado “Ausência”, Carlos Drummond de Andrade disse, certa vez, que “não há falta na ausência. / A ausência é um estar em mim”. Estar longe de pessoas queridas, de lugares importantes, de épocas memoráveis é sentir, o tempo todo, a força que tem a ausência.
E já que neste dia 30 de janeiro é comemorado o Dia da Saudade, o Viver Bem resolveu contar algumas histórias de quem mora longe de quem ama e lida com o sentimento diariamente.
Há pouco mais de três anos, a consultora de marketing Flávia Guimarães, 33, trocou Curitiba por Lisboa. A vontade de morar no exterior já existia, mas foi só quando conheceu seu atual marido que ela realmente conseguiu escolher uma cidade e fazer as malas. “Eu queria um lugar em que eu me sentisse em casa. Além disso, sempre fui muito apegada à minha família, então me sentia muito responsável por algumas coisas. Sempre fiz muitas coisas pelos meus pais, pelo meu sobrinho, então tinha muita dificuldade de me jogar no mundo.”
Flavia com a família, em Curitiba, em um registro de 2013. Foto: Arquivo Pessoal
Flavia com a família, em Curitiba, em um registro de 2013. Foto: Arquivo Pessoal
Larissa Beck, 27, fez um caminho parecido. A mudança para Paris, há três anos e meio, foi motivada pela necessidade de fazer um mestrado. Em busca de uma especialização na área de construções sustentáveis, a engenheira ambiental fez as malas e foi morar a quase 10 mil quilômetros da família. De lá para cá, ela avalia que amadureceu muito, mas a saudade dos que ficaram no Brasil insiste em permanecer.
Tecnologia e saudade
Telefonemas, mensagens, fotos e ligações de vídeo são grandes aliados para ajudar a acalmar a saudade. Para lidar com a falta, a tecnologia tem um papel importante. “Tento não perder o vínculo com aqueles que me são importantes. Quando a saudade aperta eu ligo ou mando mensagem. Falo com minha mãe diariamente e, às vezes, até bebo uma cerveja com a minha irmã pelo Skype”, conta Larissa.
Para Flávia, embora o contato virtual seja fundamental, nem sempre é o suficiente. “A gente poder se olhar por vídeo ajuda muito, mas óbvio que não é a mesma coisa. Nada, nada, nada supera um abraço, e isso é só pessoalmente mesmo. Muitas vezes eu tenho vontade de abraçar, beijar, sentir o cheiro das pessoas que eu gosto, e a tela do telefone não supre tudo isso.” Mesmo assim, ela diz que fala com a mãe todos os dias. Senão por telefone, por mensagem. Com o pai, a irmã e o sobrinho a frequência não é tão grande, mas as mensagens também não param de ir e vir entre Brasil e Portugal.
Larissa aparece na tela do celular nesta foto de família feita em um Dia dos Pais. Foto: Arquivo Pessoal
Larissa aparece na tela do celular nesta foto de família feita em um Dia dos Pais. Foto: Arquivo Pessoal
Passa com o tempo?
“Com certeza, não. A saudade se faz constantemente presente”, diz Larissa. Flávia concorda. “Não tem um remédio. Algo como ‘ah, hoje estou com saudade, então vou tomar um remédio qualquer e vai passar’. A gente se acostuma um pouco, mas eu não acho que a saudade diminua com o tempo”.
As duas tentam encontrar a família ao menos uma vez por ano, mas alguns momentos são particularmente dolorosos. Aniversários, festas de fim de ano e outras datas importantes, do ponto de vista pessoal, são naturalmente mais angustiantes.
No caso de Flávia, que precisou lidar com um câncer de mama quando já estava morando fora, não poder dividir a situação com sua família foi muito delicado. “Quando eu descobri minha doença, tive que coletar todas as informações possíveis para que, quando eu contasse a eles, eu falasse da forma mais completa possível. A única coisa em que eu pensava era em tranquilizar meu pais em vez de apavorá-los, porque já é difícil a gente estar longe.”
Flávia com seus pais, marido, irmã, sobrinho, sogros e cunhado. Foto: Arquivo Pessoal
Flávia com seus pais, marido, irmã, sobrinho, sogros e cunhado. Foto: Arquivo Pessoal
Quando o tratamento começou, os pais de Flávia foram passar um tempo com ela em Lisboa. Depois foi a vez do cunhado e de um casal de amigos, que ela considera como parte da família. Outro momento que a marcou foi o falecimento de seu padrinho. “Foi uma coisa que me marcou muito, o fato de eu não estar com a minha família naquele momento. Eu não conseguia dar uma abraço na minha madrinha, não estava ali para dividir a minha dor com eles e nem para apoiá-los”, conta.
A saudade também ensina
Para Nancy Beck, mãe de Larissa, driblar a saudade é simplesmente a tarefa mais difícil para quem tem filhos morando no exterior. “Ser mãe de alguém que mora fora é ter vontade de abraçar muito e os braços não alcançarem”, resume. Recentemente, ela escreveu para a filha um texto inteiro só para falar sobre o assunto. “Esse sentimento que aperta o coração, mas que em todo o tempo te faz lembrar que ele existe por que existe amor”, diz, em um dos trechos.
Entre chegadas e partidas, uma foto de Larissa com os pais no aeroporto. Foto: Arquivo Pessoal
Entre chegadas e partidas, uma foto de Larissa com os pais no aeroporto. Foto: Arquivo Pessoal
Larissa diz que a saudade lhe ensinou que ela é mais forte do que imaginava e, principalmente, que “não há distância física que possa afastar quem realmente quer estar presente”. Para Flávia, mais que ensinar, a saudade reforçou a importância de valorizar cada detalhe da convivência familiar. Nancy, por sua vez, diz que “a saudade não anda sozinha, está sempre acompanhada. Posso afirmar que desde que a Larissa partiu, um pedaço de mim decidiu ficar com ela”.
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