Comportamento

Marina Mori

Dos quadrinhos para a vida real: Mônica Sousa e a luta por um mundo mais equilibrado

Marina Mori
10/11/2018 17:00
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Foto: Rafael Danielewicz / Divulgação

No princípio havia só os meninos. A turma começou com Franjinha e Bidu, o cão, e depois chegaram Cebolinha, Cascão e Horácio. Correram pouco mais de três anos após a publicação das primeiras tirinhas do cartunista Maurício de Sousa, em 1959, até que a Rua do Limoeiro recebeu, enfim, a ilustre presença de Mônica. Baixinha, dentuça e gorducha, a primeira personagem feminina da história em quadrinhos mais famosa do Brasil logo se tornou referência de determinação e coragem.
Mônica nunca teve medo de ninguém. Dos gibis da década de 60 às revistas publicadas atualmente, continua lutando pelo que acredita – seja proteger Sansão, seu coelho azul de pelúcia, seja mostrar a Cebolinha que garotas são tão inteligentes quanto garotos. Coincidência ou não, a Mônica da vida real também é assim. Embora tivesse apenas três anos de vida quando a personagem das tirinhas foi criada, em 1963, Mônica Spada Sousa, a segunda filha mais velha de Maurício de Sousa, sempre foi reconhecida pela independência e temperamento forte.
“Eu era a mais geniosa, sim, mas a família inteira também. Só eu levo a culpa”, defende-se, rindo, em entrevista ao Viver Bem durante o 2º Summit Comitês Mulher do Sicredi. “Vim de uma família de mulheres fortes e determinadas. Minha mãe, avó, bisavó… Todas elas sempre brigavam pelo que acreditavam”.
Aos 58 anos e com uma carreira consolidada na Maurício de Sousa Produções, a Mônica adulta aprendeu a vencer algumas lutas usando outras armas além do cenho franzido. Às vezes até bate o pé, mas a força do sangue é maior: o sorriso brincalhão e bondoso, herança do pai, não abandona seus olhos castanhos amendoados nem no ringue.
Sua batalha mais importante começou há dois anos. Em parceria com a ONU Mulheres, a diretora executiva da MSP assumiu a missão de ampliar a influência da Turma da Mônica para encorajar a autonomia feminina em garotas de todas as idades.

“A gente acredita que pode conversar com as meninas através dos quadrinhos. Existe uma baixa autoestima entre elas a partir dos seis, sete anos de idade. Antes disso, elas se veem iguais aos meninos, mas logo percebem que o mundo é comandado pelos homens. Por isso, crescem achando que não podem ter as mesmas oportunidades”, explica Mônica.

Mônica Sousa fala sobre empoderamento feminino durante o 2º Summit Comitês Mulher do Sicredi, em Curitiba. Foto: Rafael Danielewicz / Divulgação
Mônica Sousa fala sobre empoderamento feminino durante o 2º Summit Comitês Mulher do Sicredi, em Curitiba. Foto: Rafael Danielewicz / Divulgação
Em 2017, ela ganhou o título de conselheira do projeto Winning Women, da EY Entrepreneurial Winning Women Brasil e foi uma das ganhadoras do 12º Prêmio Excelência Mulher 2016.
O ponto de partida para transformar esse cenário começou com uma mudança significativa nas tirinhas. Até pouco tempo atrás, as mães da Turma da Mônica eram representadas como donas de casa. “Elas estavam sempre de avental, cuidando da cozinha. Por que não mostramos que essas mães trabalham fora? Por que não mostramos que os pais podem fazer o jantar?”, questiona.
Por outro lado, ela lembra a forma positiva como as meninas da turma foram (e continuam sendo) apresentadas no gibi. “Elas nunca foram estereótipo de beleza. A Mônica não se importava em ser gordinha, a Magali comia por todo mundo. Mas sempre foram felizes com elas mesmas. Já começa por aí, mostrando que as meninas têm que ser felizes como são.”

Donas da rua

O projeto Donas da Rua surgiu como fruto da parceria entre a MSP com a ONU Mulheres. Desde que foi lançado, há dois anos, tem se tornado referência na luta mundial pela igualdade de gênero. “Enquanto existir uma diferença entre homens e mulheres, não vai ter equilíbrio. Não existe uma sociedade só de homens ou só de mulheres, um contempla o outro”, defende Mônica.
Maurício de Sousa sempre usou a diversão como poderosa ferramenta de educação e sua filha tem caminhado na mesma direção. Todas as personagens femininas que compõem o Donas da Rua ensinam às meninas que elas podem ser o que quiserem através de exemplos reais.
Toda semana, uma mulher que marcou a história se transforma em personagem e é apresentada no site do projeto. O “Donas da Rua da História” conta atualmente com 21 perfis inspiradores. Um deles é o da baiana Miraildes Maciel Mota, a Formiga: ela foi a única jogadora de futebol feminino do mundo a atuar em todas as edições da Olimpíada desde 1996.
A lista segue com outros ícones, como a escritora negra Carolina de Jesus e a atriz e autora Tathi Piancastelli, portadora de síndrome de Down. “São personalidades que as pessoas não repassam”.
Da internet para as ruas, o projeto comandado por Mônica atua na capacitação de meninas no esporte. Por enquanto, o Soccer Camp, como foi batizado, está presente em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília; em breve, a empresária pretende ampliar os treinos por todo o país. “É no esporte que você aprende a cair, a levantar e a trabalhar em equipe – tudo o que a gente faz no mundo adulto”, conta.
Toda semana, o projeto transforma mulheres que marcaram a história em personagens da Turma da Mônica. Foto: Reprodução / Donas da Rua
Toda semana, o projeto transforma mulheres que marcaram a história em personagens da Turma da Mônica. Foto: Reprodução / Donas da Rua
Ela reforça a importância do incentivo dos pais na construção de um novo padrão de igualdade. “Lembro que minha filha gostava de jogar futebol, mas nunca incentivei isso. Meu filho, por outro lado, era sempre acompanhado pelo pai. E se eu tivesse ido mais aos treinos dela?”.
As conquistas do Donas da Rua compensam qualquer arrependimento como mãe. Em julho deste ano, o projeto se uniu à companhia aérea Avianca e formou a primeira turma de pilotas femininas do país. Agora, as 16 novas profissionais fazem parte de uma parcela pouquíssimo representativa no quadro de tripulantes brasileiros –  os 2% de mulheres capazes de pilotar aviões.
“Quando eu era criança, queria ser aeromoça para voar pelo mundo. Se eu fosse criança hoje e visse uma mulher pilota, com certeza ia querer ser uma. Imagine uma menina vendo que isso é possível?”, exclama. É possível ver a determinação da personagem do gibi refletida nos olhos da Mônica da vida real. Ela está decidida a fazer a diferença. “Eu gosto de uma boa briga. Vamos mudar essa geração de meninas”, garante, sorrindo. Quem leu os quadrinhos de Maurício de Sousa sabe bem como essa história termina.
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