Comportamento

Agência RBS

Não tenha medo do ócio

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28/03/2016 16:15
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Foto: Librestock

Ainda que seja uma crítica à organização da sociedade e à exploração dos mais pobres pelos mais ricos, o filósofo Bertrand Russell, em Elogio ao Ócio, de 1932, sugeria uma jornada de trabalho de apenas quatro horas por dia. Russell, além de sustentar a viabilidade econômica e igualitária desse modelo, derrubava a concepção que havia aprendido desde criança: de que o ócio é o maior dos vícios e de que o trabalho mantinha as mentes ocupadas para não ceder aos “males” do mundo.
Com mais tempo para o lazer, as pessoas seriam mais felizes e gentis, e o trabalho exigido seria o suficiente para tornar o ócio agradável. Russell escreveu que, se os homens e mulheres não estivessem tão cansados, não aproveitariam o tempo livre com diversões “monótonas” e passivas e, talvez, teriam mais oportunidades para dedicar-se a alguma atividade de interesse público.
Mesmo que a nossa relação com o trabalho tenha passado por transformações desde que Russell escreveu seu livro, o homem do século 21 ainda tem dificuldade para usar os momentos ociosos e decidir o que fazer com eles. Tempo livre virou sinônimo de tempo que ainda não foi preenchido por alguma atividade produtiva. O trabalho tornou-se ubíquo com a ajuda do smartphone, e o período de lazer tornou-se, como alguns chamam, a “terceira jornada”, em que corremos atrás de entretenimento como se fosse uma tarefa obrigatória, um momento a ser vivido ao máximo, de buscar intensas experiências.
O ócio, o prazer de fazer absolutamente nada, foi totalmente engolido pela rotina agitada do dia a dia. Ter pavor de férias e considerar-se inútil ao “estar a toa” são sentimentos cada vez mais comuns. Ieda Rhoden, doutora em ócio e potencial humano, trabalha com o conceito de “enfermidade do tempo” ao falar desses sintomas. “É quando a pessoa tem dificuldade em lidar com o tempo livre. Se a agenda está cheia e alguém desmarca um compromisso, em vez de aproveitar para fazer algo de interesse pessoal, ela preenche a hora com alguma coisa formalmente ligada à ocupação, algo considerado socialmente produtivo”, exemplifica a professora da Unisinos.

Um luxo reservado para poucos

Quanto mais desenvolvemos táticas e fugas para não ficarmos sozinhos com os pensamentos – como constantemente checar o smartphone –, mais surgem movimentos, estudos e especialistas que reforçam a importância do tempo livre para fazer o que se gosta e o que se quer, e o mais importante: sem culpa – e sem qualquer objetivo claro. “Hoje, há um nível de ansiedade muito elevado e generalizado na sociedade. Uma das formas de aliviar isso é se ocupando. O problema não é estar fazendo alguma coisa, é se ocupar compulsivamente”, afirma Ieda.
O motivo para tanta ansiedade, segundo a professora, é uma associação de duas cobranças: uma externa e outra interna. O estilo de vida predominante hoje coloca o trabalho no centro de tudo, e as outras atividades são postas em segundo plano. A sociedade cobra e espera que todos sejam seres altamente produtivos, dentro de um conceito capitalista. As pessoas avaliam as outras pelo tanto que demonstram trabalhar e, consequentemente, essa expectativa gera uma cobrança individual de corresponder e se encaixar nesse padrão.
“Uma pessoa que tem uma autoestima baixa e não percebe-se incluída, se não tiver alguma coisa para fazer, sente-se desgarrada”, completa Ana Maria Rossi, psicóloga e presidente da International Stress Management Association (Isma-BR). Ieda diz que o ócio, no seu sentido mais puro, é luxo de poucos: “Tem de se impor, delimitar os horários e dizer: esse é o meu momento comigo mesmo”.

Dicas para aproveitar o ócio

Ela classifica o ócio como uma experiência desfrutável, que pode vir até mesmo do trabalho, não somente nos tempos de lazer – que não são necessariamente um sinônimo para o verdadeiro ócio. Nisso, também se peca: a doutora cita um estudo que fez apresentando a participantes 135 possibilidades de ocupação no tempo livre, que incluíam atividades variadas: de trocar um instrumento a ir ao teatro. Ela notou que a maioria das pessoas se atém aos mesmos programas sempre: churrasco, TV, internet e uma eventual caminhada. Durante o tempo livre, as atividades são buscadas por uma característica cultural, comodidade, modismo ou para agradar os amigos e a família, e não para o próprio bem.
A grande sacada é encontrar alguma atividade que agregue aprendizado intrinsecamente, mas sem que seja esse o objetivo. São momentos que exigem exatamente a energia e a habilidade que a pessoa está disposta a desprender. Nem mais, nem menos. Isso proporciona uma “calibragem”, o equilíbrio do próprio ser, uma retomada de quem realmente somos.