Comportamento

Amanda Milléo

Os sons (e sonhos) de um índio andino no Largo da Ordem

Amanda Milléo
11/12/2018 18:43
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De origem chilena, Erwin Fernando vende flautas e teares na feirinha do Largo da Ordem, todos os domingos pela manhã (Foto: Amanda Milléo / Gazeta do Povo)

Além das dezenas de barracas que compõem a feirinha do Largo da Ordem aos domingos pela manhã, é impossível não se deixar levar pelos barulhos do local. Cada comerciante faz o que pode para chamar a atenção dos potenciais compradores. Uns gritam as promoções, outros anunciam o que tem de novidade, e tem, ainda, quem prefira conquistar os visitantes pela música.
Próximo à praça do Relógio fica a barraca de produtos de artesanato de Erwin Fernando Maquehue. É lá que o comerciante divide seu tempo entre atender a seus clientes e tocar seus instrumentos musicais favoritos, entre eles a pilfica (um tipo de flauta) e a trutruca (semelhante a uma trombeta).
Os sons ressoam pelas ruelas e estandes da feirinha, e é impossível alguém não procurar com o olhar para saber de onde vem a música. Não raro, os curiosos se dirigem até sua barraca, que se destaca por ser decorada com tecidos coloridos feitos no tear. Quem o escuta, porém, não imagina que Fernando (como prefere ser chamado) só aprendeu a tocar os instrumentos depois de adulto, quando já morava no Brasil. Já na primeira conversa, o sotaque denuncia que o músico não é daqui.
“Eu tenho origem indígena, da tribo Mapuche, originária do sul do Chile e da Argentina. Vim para o Brasil quando eu tinha 22 anos porque meus irmãos moravam aqui e eu queria fugir da situação econômica do meu país”, lembra o chileno, hoje com 60 anos.
Erwin aprendeu a tocar os instrumentos andinos apenas na idade adulta, quando já vivia no Brasil (Foto: Amanda Milléo / Gazeta do Povo)
Erwin aprendeu a tocar os instrumentos andinos apenas na idade adulta, quando já vivia no Brasil (Foto: Amanda Milléo / Gazeta do Povo)
Logo que chegou às terras brasileiras, Fernando morou no interior de Minas Gerais, onde passava os dias entre o cuidado com hortas, o trabalho com o tear, e os ensinamentos de ioga. “Morei 10 anos lá. Acordava todos os dias às 5h, fazia a prática da ioga kundalini [estilo de ioga], depois mexia com a horta, que era toda natural, e então trabalhava com o tear mapuche, que é bem rústico e demorado”, lembra.
Com os irmãos mudando para o Paraná, Fernando veio junto. Passou 16 anos em São José dos Pinhais e os últimos 11 anos em Curitiba. “Na feirinha do Largo estou desde 1990. Entre 1991 e 1993, dei aula de tear na Fundação Cultural. Hoje, divido meu tempo entre a ioga, o trabalho com o tear e a paixão pela música. Conheci os instrumentos lá no Chile, mas aprendi a tocar aqui, com meu cunhado que é peruano”, explica o chileno, apontando para os produtos dispostos (alguns à venda) na barraca.

“Essa é uma flauta da Bolívia, do Peru, da região norte do Chile. É que antigamente não tinham fronteiras, né? Era tudo misturado.” 

União dos povos

Como muitos imigrantes, Fernando relata que sentia que o país (e os brasileiros) eram mais fechados ao estrangeiro logo quando chegou. Felizmente, na sua visão, isso tem mudado e estamos caminhando para uma união dos povos.
“Eu vejo que as pessoas se interessam bastante pelos produtos que a gente traz para a feirinha, querem saber a origem. Agora, também tem cada vez mais estrangeiros vivendo aqui. Eu casei e tenho filhos que são chilenos e índios. Está todo mundo se misturando e o mundo está caminhando para uma unidade. É preciso eliminar preconceitos, acabar com tudo que divide as pessoas“, opina Fernando.
Sons da feirinha do Largo da Ordem encantam transeuntes enquanto comerciantes chamam atenção para produtos (Foto: Amanda Milléo / Gazeta do Povo)
Sons da feirinha do Largo da Ordem encantam transeuntes enquanto comerciantes chamam atenção para produtos (Foto: Amanda Milléo / Gazeta do Povo)
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