Histórico

Ela não queria administrar pessoas, queria cuidar delas

Denise Drechsel
05/06/2017 12:52
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“A partir do momento que você começa a ter uma vida espiritual começa a viver de outra forma, transforma os teus objetivos e valores e passa a olhar para o mundo com um olhar mais profundo, universal. Sou mais feliz hoje”, psicóloga Bianca Soprana. (Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo) | Gazeta do Povo

Ajudar as pessoas a lidar com seus sofrimentos também inspirou a psicóloga Bianca Soprana, de 37 anos, a fazer uma mudança drástica de vida. Coordenadora do setor de Desenvolvimento de Pessoas no Recursos Humanos de uma grande empresa em Curitiba, ela percebeu que o slogan da “pessoa certa no lugar certo” funcionava apenas no momento da contratação. Depois, vinha algo parecido com a cama do personagem mitológico Procusto – na qual o vilão convidava as pessoas a se deitarem e depois ou cortava as extremidades daqueles que eram muito altos ou esticava os baixos para que coubessem no tamanho do leito –, uma manipulação de como as pessoas deveriam se comportar para que pudessem “performar bem e entregar bem” o que a empresa exigia.
“À medida que a pessoa não atendesse isso, o mundo corporativo começava a desfazê-la, de modo que, em geral, os executivos começavam a se sentir inadequados, não apenas para aquela função, mas para qualquer função”, lamenta. “Definitivamente”, pensou, “não estou ajudando a humanidade trabalhando assim”. A passagem por uma multinacional, em que ela esperava que houvesse um cuidado maior com as pessoas e com o ambiente de trabalho, e a decepção ao ver um cenário pior, a deixou sem chão. “Tinha certa vaidade com posto de liderança alcançado, mas senti um vazio ao perceber que lá eu continuava a administrar pessoas e não a cuidar delas”.
Pediu demissão em menos de um mês na multinacional e os chefes do trabalho anterior a chamaram de volta. Bianca retomou a função de recursos humanos sabendo que tinha de encontrar outra coisa. Vivia um momento de transição que a levaria para o Oriente. Era 2009.
Nos dez meses seguintes, trabalhou horas fora da empresa. Já atendia pacientes, mas queria abrir um consultório ou uma empresa de RH que ficasse apenas “com a parte boa” – o desenvolvimento e não o dia a dia.
Nessa época, teve chance de dar aulas de desenvolvimento pessoal para estudantes de Administração. Ao se sentir “muito mais psicóloga” e perceber mudanças significativas em seus alunos, achou que essa alternativa era, enfim, o melhor que tinha a fazer.
Mas uma proposta do marido, um engenheiro florestal, caiu como uma bigorna sobre os seus planos. Ele queria viajar por países não globalizados, na África e na Ásia, para depois retomar a vida a partir das aprendizagens adquiridas nessa experiência. A ideia não era nova, há quatro anos ele falava disso e fazia uma reserva financeira, mas não era algo que ela estava esperando. O projeto era tentador, mas Bianca teria de abandonar seus planos profissionais para viajar.
“O chamado”, como ela denomina a força irresistível exercida pelo marido com a ideia da viagem, era muito forte e ela enfrentou um dilema. “Não posso pensar só em mim, mas tinha medo de fazer a viagem só por ele e chegar a um momento que não fosse bom e culpá-lo. Precisava encontrar razões pessoais e comecei a pensar: o que me faria parar agora nesse momento de reinvenção pessoal para sair pelo mundo?”
Bianca já tinha feito esforços para assimilar a própria história, os ressentimentos e as dificuldades pessoais. Estava em paz com isso. Mas havia um conjunto de questões ainda não resolvidas, abandonadas nos diários que escreveu na juventude. Eram perguntas cruciais que ficaram sem resposta com o passar dos anos. “Comecei a perceber que essas perguntas eram mais valiosas para mim do que me encontrar profissionalmente”, diz. “Pensei: será que essa viagem não vai trazer respostas para essas perguntas? E essas respostas não vão ser mais fonte de reinvenção do que simplesmente dar aula à noite para deixar o RH e depois tentar ter a minha clínica?”. Todas as suas apostas, de repente, ficaram pequenas. E partiu com o marido por quase três anos em viagens pelo mundo.
As perguntas dos diários eram dilemas universais que tinham se acirrado um ano antes de viajar, em 2008. Nesse período, durante um curso de especialização em Psicologia com ênfase em dinâmica de grupos, uma colega utilizou raciocínios filosóficos para dilemas psicológicos. A conversa levou Bianca a fazer um curso livre de Filosofia a partir do livro “Metafísica”, de Aristóteles. “Era bem diferente do curso de Psicologia, onde o modo de pensar era o de relativizar tudo, subjetivar tudo, o que sempre me deixou com uma sensação de insatisfação. De repente, Aristóteles começa a responder de forma racional perguntas universais que ninguém respondia”, diz.
Para a viagem com o marido, ela levou para ouvir uma série de aulas gravadas de um curso de Filosofia sobre os povos que ia visitar e sobre as religiões adotadas por eles. “Era uma apresentação objetiva das principais religiões do mundo, com dados históricos. O professor não deixava os alunos fazerem críticas levianas a nenhuma delas. Já em viagem, nas várias horas de ônibus na África ou em outros lugares, conseguia entrever o que tinha de comum em todas elas sobre Deus e sobre o homem”, diz.
Deus, para ela, era alguém que, se existia, tinha criado o mundo e os homens faziam o resto. “Eu sempre achava que Deus era só um produto da fé e não da razão. A explicação racional, o primeiro motor aristotélico, foi uma primeira lâmpada que se acendeu. Ele existe mesmo? Como eu me relaciono com ele?”. E ela passou a fazer algo inédito para ela: rezar. E se converteu ao cristianismo.
“A minha grande reinvenção começa com uma reinvenção profissional, mas termina com uma realização espiritual que eu estava buscando e não existia na minha vida”. Hoje trabalha com Psicologia Clínica e cursos livres. “O mais conhecido é o Meu Papel no Mundo, resultado da minha busca pessoal e dos estudos durante a viagem.” 
A ruptura a fez reestruturar completamente a sua forma de agir e de encarar os desafios da vida. “A partir do momento que você começa a ter uma vida espiritual começa a viver de outra forma, transforma os teus objetivos e valores e passa a olhar para o mundo com um olhar mais profundo, universal. Sou mais feliz hoje”.