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A cena é a mesma em quase todos os banheiros do mundo; só muda de endereço e de fragrância. Perto do chuveiro, a saboneteira. Dentro dela, restos do que um dia foi uma barra inteira de sabonete. Sua espessura – quase um filete em tom pastel – mal permite um ensaboar decente, então não há muito que fazer senão abandoná-lo no recipiente à espera da barra nova, para que se “grudem” e formem uma massa só. Parece nojento? Espere até ler a próxima frase. Uma nova moda tem dado outro destino aos sabonetes inacabados: derretê-los para produzir novos.

A premissa é a sustentabilidade do processo e as receitas da internet chegam às centenas. Umas sugerem derreter os filetes no microondas e depois acrescentar ao líquido glicerinado outros ingredientes (como leite, chá e óleos essenciais) para criar sabonetes mais… “especiais”. Outras têm o único propósito de “tratar” problemas de pele, como a acne. Neste caso, recomendam derreter sabonetes inteiros de glicerina e depois misturá-los com argila e o óleo de coco.

Será que a prática é inofensiva à saúde?

Segundo especialistas, não. Apesar de a receita parecer dar certo (já que o resultado final é, de fato, um sabonete), o simples fato de derreter o produto em casa sem os devidos cuidados pode gerar uma série de problemas à pele. O principal motivo é a alteração do pH original do produto, de acordo com Rilton Alves de Freitas, professor do Departamento de Química da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Enquanto sabonetes “bons” para uso têm pH alcalino (entre nove e 10), barras feitas de forma errônea geram um produto com pH bem mais ácido. “Isso reduz a capacidade do sabonete de combater qualquer contaminação, já que é o meio alcalino que impede a proliferação de muitas bactérias”, explica.

Foto: Matthew Tkocz/Unsplash
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Outra questão é a falta de controle das temperaturas. Como a glicerina tem um ponto de fusão muito baixo (pouco menos de 20°C), é fácil superaquecer o ingrediente e alterar completamente sua estrutura. Muitas receitas online, por exemplo, sugerem o uso do micro-ondas para derreter os sabonetes.

Neste caso, não é preciso ter um diploma de química para prever resultados catastróficos. Uma internauta compartilhou sua experiência em uma discussão sobre o assunto. “Não façam isso em casa mesmo. A glicerina explodiu dentro do meu micro-ondas!”, tuitou.

Poros entupidos e alergias

Além de tornar a pele mais suscetível a infecções, sabonetes derretidos e depois reutilizados podem causar acne e alergias. O químico Romualdo Ramos, que fornece assessoria para empresas de cosméticos no Paraná, explica que isto ocorre por conta das alterações na estrutura dos produtos. “A falta de estabilidade da fórmula provoca o acúmulo de resíduos na pele”, explica.

Ou seja: ao utilizar o novo produto (especialmente as versões potencializadas com óleo de coco, argila e outros ingredientes), a sensação é de uma pele hidratada e sedosa. Na prática, porém, a realidade é outra.

Segundo Ramos, é como se houvesse um filme impermeável sobre a derme, impossibilitando a transpiração necessária e, consequentemente, a excreção de bactérias e outros microrganismos. “Isso aumenta os riscos de agravar algum problema já existente, como a acne, e gera acúmulo de toxinas que deveriam ser eliminadas”.

Portanto, a tentativa de tratamentos para a pele sem acompanhamento médico pode ser perigosa. Fabiane Mulinari Brenner, chefe do serviço de Dermatologia do Hospital de Clínicas da UFPR, reforça que o sabonete de glicerina deve ser usado com parcimônia. A dermatologista lembra, também, que é preciso respeitar as formas de utilização de cada produto. “A argila precisa ser aplicada isolada para ser efetiva”.

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Fazer sabonete é coisa séria

A advogada Susy Gaspar de Andrade começou a fazer sabonetes na bancada da cozinha há pouco mais de três anos e hoje celebra o primeiro aniversário de sua marca, a Gentil Saboaria. Seus produtos são 100% de origem vegetal e feitos com cuidados minuciosos (touca, luvas, termômetros e fitas de pH são alguns dos itens indispensáveis na produção).

“Fazer em casa é a coisa mais simples, todo mundo pode fazer. Mas prestar atenção na limpeza do local é outra coisa. Se você começa em um ambiente contaminado desde o início, é claro que a formulação toda vai ficar contaminada”, diz.

Apesar de ter começado os testes em casa, ela sempre teve o cuidado de esterilizar seus materiais. Hoje, toda a produção da marca é feita em um imóvel que a curitibana transformou em laboratório.

Sabonete pode ser compartilhado?

Sim, pois a barra em si não é capaz de armazenar bactérias após o banho, explica o médico infectologista do hospital Marcelino Champagnat, Sérgio Penteado. O problema, segundo ele, é o armazenamento do produto – seja ele feito em casa ou comprado no supermercado.

“Quando ele fica na saboneteira molhada, o líquido parado é capaz de alterar o pH. Isso gera um crescimento bacteriano bem significativo que, eventualmente, pode gerar infecções de pele especialmente nas pessoas quem têm furunculose de repetição e dermatites infecciosas”, explica.

Sua recomendação é manter o produto sempre seco ou em saboneteiras que permitem a drenagem da água.

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