capa

A depressão na adolescência

Amanda Milléo
18/09/2014 03:18
Thumbnail
Principal distúrbio a incapacitar jovens dos 10 aos 19 anos segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em relatório divulgado no início do ano, a depressão atinge até 13% dos adolescentes. Por não apresentar, nesta idade, os sintomas clássicos da doença, as mudanças comportamentais se confundem com características normais da fase, o que tranquiliza os pais e atrasa o diagnóstico.
Recentemente, a Academia Americana de Pediatria (AAP) estabeleceu a necessidade de rastreamento para depressão entre jovens de 11 a 21 anos, que devem responder a perguntas sobre seu estado de espírito. "Eu prefiro ficar sozinho do que com meus amigos da mesma idade", "Estou sempre distraído, acho difícil me concentrar" e "Tenho muitos medos e me assusto com facilidade" são algumas das questões encontradas nas Diretrizes para depressão em adolescentes em cuidados de saúde primários, formuladas por pesquisadores de diversas universidades norte-americanas e aprovadas pela AAP.
Subdiagnosticar a depressão em jovens é algo comum, diz o psiquiatra e professor adjunto de psiquiatria do centro médico da Universidade de Columbia, Yiu Kee Warren Ng. "Pais, professores e amigos podem não percebê-la por achar que a juventude é uma época sempre feliz. Ter depressão e ansiedade não é normal, especialmente quando a sensação ultrapassa duas semanas e compromete ações como ir à escola, sair com amigos e fazer atividades de modo independente", diz.
Segundo o médico psiquiatra especialista em infância e adolescência, Marco Bessa, os jovens tendem a ter explosões de raiva, irritação e o sentimento de não ser compreendido, o que explica a confusão dos pais. "A diferença está no exagero e na persistência dos sintomas,como quando a irritação atinge a família, professores, amigos e, principalmente, quando esse não era o comportamento normal", diz ele.
Meninos e meninas
Comportamento agressivo, uso abusivo de álcool e drogas e explosões de raiva são atitudes vistas mais entre meninos. Nas meninas, tédio, raiva, tristeza, vazio e ansiedade são mais comuns.
As garotas costumam ter também mais preocupação com popularidade, menos satisfação com a aparência e menos autoestima, enquanto os garotos relatam mais desprezo, desafio e desdém, e demonstram problemas de conduta como falta às aulas, fugas de casa e violência física.
A culpa não é dos pais
Da mesma forma que os dentes de leite caem e dão lugar aos permanentes, na adolescência o cérebro muda as sinapses, ou a transmissão das informações entre os neurônios, as células cerebrais. "A alteração ocorre na região do córtex pré-frontal do cérebro, preparando-o para outras funções cognitivas da fase adulta, como a percepção de risco, valores morais e planejamento", explica o médico psiquiatra da infância e adolescência, Marco Bessa. Essas transformações, associadas ao início da sexualidade e mudanças sociais, ampliam o risco para transtornos psiquiátricos.
A "enxurrada" hormonal que acomete a faixa etária também foi percebida como fator predisponente à doença. Até a primeira menstruação, o número de crianças em depressão é basicamente igual, em torno de 0,8%, segundo o psicólogo doutor em psiquiatra e professor da Universidade São Francisco, Makilim Baptista. A partir da menarca, no entanto, a proporção da doença entre as meninas aumenta. "A produção hormonal pode ser um dos gatilhos para a doença. No caso dos meninos, a testosterona e dihidrotestosterona tendem a causar mais irritabilidade, enquanto o estradiol, estrogênio e progesterona, das meninas, influenciam mais o lado emocional, fazendo com que ela chore mais facilmente", explica o endocrinologista do laboratório Frischmann Aisengart, Mauro Scharf.
Os fatores fisiológicos, no entanto, não devem ser considerados os principais responsáveis pela doença entre os adolescentes. "Embora o fator hormonal seja evidente quando pensamos no pós-parto, nessas fases (adolescência, pós-parto, menopausa) a mulher ganha também novas responsabilidades, e são situações que mudam o contexto que ela vive, gerando estresse", explica a pediatra Beatriz Bermudez, responsável pelo Ambulatório de Adolescentes do Hospital de Clínicas da UFPR.
>> A psicanalista e psicóloga clínica do serviço de psicologia do Hospital das Clínicas da UFPR Jandyra Kondera fala sobre a depressão na adolescência:
Qual a concepção psicanalítica sobre a depressão?
Para o francês Jacques Lacan, a depressão não é uma estrutura clínica. Pode ser acolhida como uma manifestação de que algo não vai bem e que pode ser trabalhada. O que existe é que a demanda social é imperativa quanto à obtenção de sucesso e satisfação imediatos, um ideal da nossa civilização. Porém é um ideal: serve para seguir em frente, não que seja atingido.
E como o adolescente se porta frente a esses ideais?
Visando atender esta demanda, ele tem hoje recorrido ao álcool, drogas e estimulantes sexuais medicamentosos para alcançar a performance nas relações sociais e sexuais. Por este motivo também o suicídio e o fanatismo totalitarista podem ser uma via de engajamento idealizados.
Na adolescência a depressão acaba sendo a expressão de algo?
É a expressão do fracasso no cumprimento do ideal, difícil de suportar e que muitas vezes o leva a pedir ajuda, que pode aparecer de forma sintomática e encontrada em muitos dos sinais característicos da depressão pelas classificações psicopatológicas.
Tratamento com a família
Combinar medicamentos antidepressivos com terapia (individual/familiar) é um dos tratamentos mais indicados por especialistas para a depressão em adolescentes, quando comprovada a doença. De acordo com o médico psiquiatra da infância e adolescência Marco Bessa, é preciso uma avaliação geral da condição clínica do adolescente e correção de maus hábitos, com afastamento de fatores que geram estresse. A psicanálise, de acordo com a psicanalista membro da biblioteca Freudiana de Curitiba e coordenadora do ambulatório infanto-juvenil e do Centro Psiquiátrico Metropolitano, Mirela Stenzel, pode dar a oportunidade para o adolescente elaborar o mal-estar e simbolizar o encontro com as novas exigências. A medicação, por outro lado, contribui para equilibrar as alterações químicas que a depressão pode causar.