prevenção

Câncer: análise de risco em discussão

Adriano Justino
17/04/2014 03:24
Thumbnail
O chefe do serviço de oncogenética do Hospital Erasto Gaertner, o oncogeneticista José Claudio Casali é a favor da aplicação dos testes genômicos como medida preventiva para o câncer. "É possível calcular os riscos de câncer baseado na história da família", diz ele. Porém, antes de passar pelo teste a pessoa deve fazer um aconselhamento genético, quando se analisa o momento da vida do paciente e se ele está preparado para receber os resultados. "O teste traz uma série de informações sobre riscos, o que pode gerar angústia se o resultado não for acompanhado também de uma tomada de decisão", diz ele, que é professor de Medicina da PUCPR e diretor do Laboratório Mantis Diagnósticos. Confira a entrevista:
Quais são os testes genômicos mais solicitados hoje?
Há teste para várias síndromes de câncer hereditárias. Todos os órgãos que podem ter câncer, sempre tem uma porcentagem que pode ser hereditária – 10% dos cânceres de mama o são, 20% dos de pâncreas, 40% dos cânceres infantis têm traço genético familiar. Na repetição de casos de um mesmo lado da família, mesmo sendo cânceres diferentes, você deve suspeitar de casos hereditários. Pelo menos 200 síndromes genéticas que causam câncer são conhecidas, 350 genes de câncer foram identificados e podem causar síndromes hereditárias. Para todos há a possibilidade de fazer teste de DNA, rastrear e de fazer prevenção. O câncer é prevenível, já conseguimos curar 70% deles, a medida é antecipar isso e lidar com o risco, enfrentá-lo, para que não precisemos enfrentar o câncer.
Realizar o teste genético sem o aconselhamento prévio pode ser prejudicial?
Ele pode gerar ansiedade e culpa em mães e pais que se sentem responsáveis por terem transmitido um traço genético aos seus filhos. Antes de pedir o exame, é importante fazer uma árvore da família, quando vemos se há ou não risco aumentado e se há indicação para o teste.
Quais são os critérios do rastreamento genômico do risco de câncer de mama?
O primeiro critério é indicá-lo para quem tem parente que desenvolveu este câncer antes dos 45 anos. O segundo é se duas pessoas da mesma família – como filha e mãe/tia paterna –, tiveram câncer de mama, uma delas diagnosticada em idade inferior a 50 anos. O terceiro critério é ter havido três casos de câncer de família entre parentes próximos do mesmo lado (inclusive da família paterna), em qualquer idade.
O quarto é quando é diagnosticado câncer na mesma pessoa em múltiplos locais ou bilateral.
No caso do câncer de mama, o que pode ser feito após descobrir esse traço?
A cirurgia de retirada preventiva da mama é opcional, existe a alternativa de acompanhar com exames periódicos e ainda a de utilizar o medicamento tamoxifeno, que diminui em 50% o risco e que pode ser utilizado por cinco anos. São alternativas que devem ser discutidas caso a caso.
O risco de outros cânceres também pode ser reduzido com a retirada preventiva?
Pâncreas, próstata e intestino não se retiram preventivamente. Mama, ovário, trompas e tireoide, sim. Encontrada uma mutação no gene BRCA1 o risco de câncer de ovário é de 60%, se for no BRCA2 o risco é de 20%. Se o BRCA1 tem mutação, além de tirar a mama, discute-se a retirada preventiva dos ovários. Quando isso é feito em uma mulher jovem, de 30 anos, a chance de desenvolver osteoporose é grande, então deve-se pesar riscos e benefícios. Há outros cânceres que podem ter traços genéticos – de tireoide – em que mais ou menos 10% dos casos são hereditários, porém em relação ao subtipo carcinoma medular de tireoide os casos atribuídos à herança genética chegam a 30% – se a família tem esse traço genético no gene RET existe indicação absoluta de remover a glândula tireoide profilaticamente.
A retirada preventiva também tem seus riscos?
Sim, a cirurgia preventiva também pode ter complicações; pode haver a indução de osteoporose depois da retirada dos ovários e a perda da sensibilidade da mama após uma cirurgia. Por este motivo a paciente é quem tem que decidir, afinal é o seu corpo e esta não pode ser uma decisão do médico. Ela é quem deve escolher o melhor procedimento de prevenção. A retirada de ovário pode ser feita após os 40 anos, permite um tempo para se ter filhos antes, além de gerar um risco menor de osteoporose, reduzindo o risco de câncer de ovário justamente quando ele começa a aumentar. Quando desenhamos a árvore familiar vemos claramente o padrão hereditário. Se há mutação, há indicação.
Como é o teste?
Para achar a mutação pela primeira vez na família o custo médio é de R$ 2 mil por teste; depois o teste individual custa R$ 600 e fica pronto em uma semana. Não é necessário fazer um teste completo em todos, pois será sempre aquele ponto que vai estar alterado naquela família, como um defeito de fábrica. Quando fazemos um teste de DNA é como se estivéssemos lendo uma receita de bolo onde a falta de um ingrediente faz o bolo desandar. Em alguns falta uma linha, em outros falta um parágrafo. O traço genético não passa para todos os filhos, em geral a chance é de 50%. O DNA é como dois conjuntos de cartas que são embaralhados e apenas metade do baralho acaba transmitido.
O senhor indicaria o teste para pessoas sem histórico de câncer ou doença em família?
Discute-se se vale a pena fazer teste de DNA completo, e o que poderia ser feito com esse resultado. Nos Estados Unidos, é obrigado por lei comunicar resultados incidentais quando encontrados. Mas vale a pena procurar essas alterações genéticas? Ás vezes a pessoa pode procurar uma coisa e acertar em outra.
Qual o direito do médico informar, e quais os benefícios e malefícios que pode estar causando?
Comparo testes do DNA com a energia atômica: quando bem utilizada, salva vidas, em mãos erradas vira bomba atômica. A genética tem esse potencial. Por isso é necessário o aconselhamento genético.