imunoterapia

Desmascarando o câncer

Amanda Milléo*
18/09/2014 03:14
Matar uma mosca com um canhão deixou de ser a principal forma de a medicina agir frente a um câncer. Há 20 anos, pesquisadores buscam entender como as células tumorais conseguem "enganar" o sistema imunológico, fazendo-o encará-las como células comuns. Uma das alternativas que vem sendo estudadas é a imunoterapia, que visa reforçar as células de defesa do organismo e "desmascarar" as tumorais para que o próprio corpo combata o câncer. Apesar de ainda não estar disponível no mercado, o tratamento tem apresentado resultados positivos nas fases finais dos estudos, que elevam as expectativas para os próximos anos.
Por ser uma parte do corpo humano que se "rebelou", o câncer possui uma série de substâncias e proteínas, conhecidas como antígenos tumorais, que o sistema imunológico reconhece como anormais e as ataca. No entanto, os próprios tumores aprenderam a mascarar esses antígenos, como o PDL1, um receptor celular que se esconde do sistema imune, permitindo o desenvolvimento do câncer sem uma resposta agressiva das células de defesa. "A partir do momento que agimos no anti-PDL1, ou seja, contra o receptor, neutralizamos esse fator, expomos a célula tumoral e intensificamos o sistema imune, que irá tratar o câncer com mais eficácia, porque não está mais cego diante do tumor", explica a gerente médica da área de oncologia da farmacêutica Roche, Luciana Preger, durante o encontro de jornalistas da América Latina promovido pela Roche no início de julho em Guadalajara, no México.
Segundo o diretor da rede Latino Americana de Neuro-oncologia, Andrés Felipe Cardona, os medicamentos conseguem também modular as células T, de defesa, e quitar os repressores naturais, fazendo com que elas ataquem os tumores com mais facilidade. Entre os tumores que apresentaram bons resultados com esse tratamento, a gerente médica cita os cânceres com células pequenas, como os de pulmão. "O anti PDL1 provavelmente terá várias indicações, porque ele age diretamente no sistema imune. Vamos trabalhar ainda com o melanoma e quem sabe com o câncer de pâncreas", explica a médica.
Estrela da festa
A imunoterapia foi um dos tratamentos mais citados e discutidos durante o Congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica deste ano, segundo o neurocirurgião e diretor da seção da América Latina da Roche, Daniel Ciriano. "Estamos começando a entender os mecanismos pelos quais os tumores escapam ao controle do sistema imunológico. Conhecendo os mecanismos, podemos desenhar medicamentos que os modulem", explica Ciriano. "O tratamento imunológico é uma das grandes transformações no tratamento das doenças tumorais, porque ao usarmos esses medicamentos estamos transformando a resposta do nosso organismo contra o tumor", afirma Cardona.
Doenças autoimunes
Diante do câncer, o sistema imunológico fica como "sem saber" por onde começar a combatê-lo. Como as células de defesa exercem papel fundamental nessa morbidade – e também nas doenças auto-imunes –, os tratamentos de ambos se assemelham. Durante a pesquisa de desenvolvimento dos medicamentos imunoterápicos para o linfoma, pacientes que apresentavam artrite reumatoide, uma doença autoimune, tiveram melhoras nas duas doenças, de acordo com a gerente médica da área de oncologia da farmacêutica Roche, Luciana Preger. A descoberta abriu novas portas para o tratamento das autoimunes.
A preocupação dos pesquisadores, no entanto, é que a resposta exacerbada do sistema imunológico influencie o aparecimento dessas doenças. "Por enquanto não apareceu nada sobre essa influência, mas é sempre uma preocupação. A doença autoimune também é uma desordem do sistema imunológico e as drogas podem ter um fator benéfico contra o câncer e também contra as autoimunes", explica Luciana. Segundo o diretor da Rede Latino Americana de Neuro-oncologia, Andrés Felipe Cardona, as doenças autoimunes são um fator prejudicial no tratamento contra o câncer. "Uma das contraindicações para a imunoterapia é o paciente apresentar uma doença autoimune. Quando exacerbamos a resposta do sistema imunológico, o dano ao paciente que possui artrite reumatoide ou lúpus pode ser maior", explica Cardona.
*A jornalista viajou ao Roche Press Day pela empresa farmacêutica Roche.