hormônio

Diagnósticos demais

Adriano Justino
11/12/2014 02:10
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A diretora de Tireoide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Laura Sterian Ward, que também dirige o Laboratório de Genética Molecular do Câncer, da Unicamp, é crítica em relação à avalanche de exames de tireoide que tem sido vista nos últimos anos no país e no mundo e assinala em letras garrafais: "o ultrassom não deve ser indicado para rastreamento de câncer da tireoide, simplesmente porque metade da população feminina tem nódulos na tireoide após os 50 anos de idade".
Tem havido hoje um aumento exponencial de diagnósticos de câncer de tireoide?
O diagnóstico de câncer de tireoide vem crescendo, segundo dados norte-americanos, a uma taxa de cerca de 7% ao ano, crescimento maior do que o do melanoma maligno, do fígado e de rim. A estimativa do Instituto do Câncer é que o câncer de tireoide seja o quinto mais frequente nas mulheres em 2014, atingindo mais de 8 mil mulheres, representando 25% dos casos de tumores femininos.
Quais seriam as causas prováveis desse crescimento?
A exposição à irradiação ionizante é importante fator desencadeador de câncer da tireoide. Não apenas os grandes desastres nucleares, como o recente acidente em Fukushima, no Japão, devem nos preocupar, mas também o número excessivo de exames de imagem que nós mesmos, médicos e dentistas, temos pedido. Apesar de a ingesta de iodo ser outro fator relacionado ao câncer de tireoide, alguns estudos têm mostrado que talvez isso não seja tão prejudicial. A exposição a alguns vírus, como o HBV (um herpes vírus), pode estar relacionado.
Esse tipo de câncer tem maior incidência nas mulheres?
Existe uma relação entre o câncer de tireoide e o metabolismo dos estrógenos, fator que explica a maior incidência (5 a 8 vezes) desses tumores na mulher. O estudo do nosso grupo mostrou que o metabolismo de compostos estrogênicos e a expressão de alguns receptores estrogênicos que existem nas células tireoidianas pode estar ajudando os tumores tireoidianos a progredirem com maior frequência nas mulheres do que nos homens.
Quais hábitos de vida podem ter participação na evolução da doença?
Obesidade sem dúvida é fator de risco, assim como a ingesta excessiva de proteínas e de carboidratos, segundo dados do Laboratório de Genética Molecular do Câncer, da Unicamp. Ingerir iodo em quantidade adequada é importante, nem mais nem menos.
Quais são os tipos de câncer de tireoide e qual o mais incidente?
A grande maioria dos tumores de tireoide malignos é constituída dos chamados carcinomas diferenciados. São tumores que se assemelham muito ao tecido tireoidiano normal (daí a dificuldade diagnóstica) e são divididos em carcinomas papiliferos ( 80% a 95% dos casos) e foliculares. Além destes tumores diferenciados, existem os indiferenciados, que são raridade, menos de 1%, e muito agressivos. Nenhum deles tem causa definida.Outro tumor da glândula tireoide é do carcinoma medular. Ele é originário de um tipo de célula diferente, que também está na tireoide mas que não produz hormônios tireoidianos. Este tipo de tumor é, em cerca de 25% a 40% dos casos, de origem genética.
O avanço dos meios de diagnóstico pode ter tornado possível detectar tumores que antes passariam despercebidos?
Realmente, grande parte do aumento de prevalência dos casos de câncer da tireoide se deve ao brutal aumento do número de casos descobertos acidentalmente ao paciente fazer um exame de imagem, do tipo ultrassom. Muitos médicos vêm pedindo ultrassom de tireoide sem indicação. O ultrassom não deve ser indicado para rastreamento de câncer da tireoide, simplesmente porque metade da população feminina tem nódulos na tireoide depois dos 50 anos de idade. Não se sabe porque isso ocorre, e é similar ao que se vê com próstata e mioma. Procurando, se acha, e os pacientes procuram médicos desesperados por estarem com um nódulo na tireoide. O médico, pressionado pelo paciente, acaba pedindo novos exames, incluindo a punção aspirativa por agulha fina e, em muitos casos, acaba com um diagnóstico de suspeição ou mesmo diagnosticando câncer papilífero que, em grande parte dos casos, simplesmente não vai progredir. Eles acabam sendo operados desnecessariamente.
O diagnóstico conclusivo do câncer de tireoide só pode ser realizado por uma biópsia?
Sabemos que cerca de 8% a 10% dos indivíduos que morrem por qualquer causa que não seja relacionada à tireoide tem um microcarcinoma. São tumores muito pequenos, que nunca evoluiriam clinicamente. Temos dados de seguimento por mais de 20 anos de pacientes que foram diagnosticados com tais microcarcinomas da tireoide. Sabemos que muito poucos crescem, e os que crescem são pouco agressivos. Ter um câncer pequeno na tireóide não tem maior significado clínico na grande maioria dos casos (cerca de 95%). O problema é o que fazer com aquele paciente que, por causa do ultrassom, descobriu um nódulo.
Todos teremos nódulos?
Realmente nódulos são muito frequentes e a prevalência aumenta com a idade. Estima-se que 90% das mulheres acima de 80 anos e 70% dos homens acima de 80 anos tenham um nódulo tireoidiano detectável ao ultrassom. Mas qual nódulo vai crescer? Não existe, até o momento, nenhum método ou gene que possa predizer, com certeza, quem vai desenvolver um tumor agressivo e quem vai morrer com este câncer sem nunca ter nada (a imensa maioria dos casos). Quando o paciente chega ao consultório, o médico acaba fazendo a punção aspirativa com agulha fina para obter citologia. Nossos consensos e diretrizes mandam não fazer nada, nenhuma punção, em casos de nódulos menores que 1 cm de diâmetro e função tireoidiana normal.
Quais critérios são levados em conta na hora de decidir pela retirada de um nódulo?
Um nódulo só deve ser puncionado com agulha fina para obtenção de citologia se tiver mais de 1 cm de diâmetro ou se o paciente tiver fatores de risco. São casos de risco os pacientes que sofreram irradiação, que tem linfonodos cervicais detectáveis, nódulos suspeitos ao ultrassom (existem características ultrassonográficas como a presença de microcalcificações dentro dos nódulos, que aumentam a chance de se tratar de caso maligno) ou história familiar de câncer da tireoide.
Na sua opinião, no Brasil tem sido retirada indevidamente essa glândula?
Estamos operando desnecessariamente 6 ou 7 casos de cada 10. Acho que este número se repete em todas as partes do mundo e explicam a verdadeira epidemia de câncer de tireoide que estamos vendo.