Bem-estar

O poder terapêutico dos pets

Luisa Nucada, especial para a Gazeta do Povo
23/11/2014 02:04
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Luciana Guedes com o gato Dalí: nova profissão e ajuda no tratamento do lúpus | Fred Kendi/Gazeta do Povo

Espectadores do mundo inteiro foram às lágrimas nos cinemas que exibiram Sempre ao Seu Lado, adaptação de uma história verídica de lealdade. Durante nove anos, dia após dia, um cão akita esperou pela volta do dono, falecido, em uma estação de trem. O companheirismo dos animais de estimação é capaz de transformar a vida das pessoas. As brincadeiras e demonstrações de afeto dos pets elevam o estado de humor, refletem na saúde e funcionam como uma verdadeira terapia para quem está ao redor.
A presença dos animais foi determinante para Luciana Guedes, profissional autônoma de 41 anos. Em 2005, ela viu surgirem em seu rosto e pescoço inflamações cutâneas de causa inexplicável. Iniciou-se um périplo por dezenas de consultórios médicos, sem que descobrissem a origem do problema.
Aos poucos, ela foi deixando de trabalhar e se recolheu em casa. "Eu não queria sair, não queria tirar fotos. Só lia e pesquisava sobre patologias. Estava virando uma especialista em doença", recorda. Em 2008, prestes a desistir de buscar tratamento, aceitou a sugestão do marido e adotou um casal de gatos. "Dalí e Gala chegaram à nossa casa e, em menos de uma semana, pude me sentir amada." Com a mudança de foco do problema de saúde para o cuidado com os pets, Luciana viu seu astral melhorar sensivelmente. Elegantes e brincalhões, eles faziam companhia e suavizavam o passar dos dias.
"A pessoa que te vê com um problema de pele tem medo de você. Havia gente que me parava na rua para saber o que eu tinha, os vizinhos batiam à minha porta e perguntavam se era contagioso", conta ela. "O bicho não liga, ele não quer saber se você está arrumado, bonito ou se tem dinheiro. Ele vem e fica perto de você", completa.
Seis meses depois da adoção dos felinos, os sintomas físicos estavam visivelmente mais brandos. A melhora foi tanta que, em 2009, quando recebeu o diagnóstico de lúpus, Luciana e o marido tinham quatro gatos em casa. O contato com os felinos foi imprescindível para que ela "não deixasse a peteca cair". Eles a ajudaram a conviver com a ideia de ter uma doença incurável, mas tratável.
Hoje, ela não toma nenhum tipo de remédio e tem nove felinos ronronando em volta. "Nós os salvamos do abandono, mas, na verdade, foram eles que nos salvaram", garante. Além de todos os benefícios, Luciana acabou se encontrandoprofissionalmente. Transformou sua casa em um hotel para gatos, que hospeda periodicamente, quando os donos viajam.
Ciência comprova
O que explica os efeitos positivos do convívio com animais de estimação é o amor incondicional manifestado por eles, de acordo com a psicóloga Manuella Balliana Maciel, do Instituto Cão Amigo. "Independentemente de tudo que aconteça, o bicho sempre estará ali. Se você acorda com a cara amassada, se está de mau humor, não interessa, ele vai te amar do mesmo jeito." Cuidar de um ser vivo que interage e troca afeto faz com que as pessoas se sintam amadas e acolhidas, diz a especialista.
Segundo ela, ter um pet é ter para quem voltar. "Uma coisa é chegar em casa e encontrar um vazio. Outra coisa é ter um animal esperando. Ele sempre vai estar feliz em te ver, você é a vida dele", enfatiza a psicóloga. Foi comprovado cientificamente, ela afirma, que além dos benefícios emocionais, o contato com bichos produz efeitos fisiológicos no corpo, como diminuição da pressão arterial e da frequência cardíaca, aumento da imunidade e maior liberação de endorfina e serotonina, neurotransmissores que dão sensação de bem-estar. "Parece mágica. O que um animal pode promover pela pessoa quase não tem explicação", diz Manuella.
Razão para viver
A bancária Mariana Hoffman, de 29 anos, também sentiu na pele – e na alma – o bem que fazem os bichos. Há nove anos, ela decidiu morar sozinha e viu que precisava de companhia. Foi assim que o pinscher Mark entrou em sua vida. Dentre outros filhotes, ela o escolheu porque era o mais quieto e medroso. "Ele parecia nervoso, fiquei com pena, porque ninguém iria querê-lo. Achei que era o que mais combinava comigo", lembra.
Ela tem um quadro de depressão crônica do qual se trata há 12 anos. "Durante esse tempo, passei por momentos muito difíceis, em que só ficava em casa", diz a bancária. Foi a preocupação com Mark, a necessidade de levá-lo para passear e vê-lo bem que a faziam levantar da cama. "Eu me forçava a sair para que ele não ficasse só trancado no apartamento."
À medida em que encontrava outros donos de cachorro na rua, Mariana conversava e socializava. "Eu tentava fazer o melhor para ele, e isso acabava refletindo em mim", diz. Ela começou a encarar o pinscher como uma motivação para não ficar mal. "Quando eu chorava bastante, ele deitava do meu lado, amuado, não comia. Eu não queria vê-lo triste igual a mim, não seria justo", conta.
No dia a dia, o afeto de Mark a ajuda a manter-se longe das crises e, segundo ela, é o tratamento mais eficaz para a depressão. "Ele efetivamente se importa comigo, sem querer nada em troca. Passei a ver que tem um ser maravilhoso do meu lado, e isso afasta os pensamentos ruins." Para a psicóloga Manuella, ser responsável por um animal de estimação tem efeito revigorante na autoestima. "Em menor escala, até um peixinho num aquário produz esse resultado. Ter um ser vivo que depende de você, que tem de ser alimentado e cuidado todos os dias, é poderoso para a autoconfiança", informa a especialista.
Zoológico particular
O psicólogo e educador social Bernardo Macaroff, 26 anos, cria dois cães, duas tartarugas, um gato e um coelho em casa. Ele herdou dos pais o amor pelos bichos com os quais conviveu e aprendeu desde pequeno. "Sempre digo que é bom dar um filhote para uma criança. Vai ensiná-la a ter respeito, empatia e responsabilidade, e contribuir para o desenvolvimento do seu caráter."
O olhar livre de crítica foi uma das lições que o contato com os animais lhe proporcionou. Em seu trabalho, ele tem a missão de dar acolhimento a pessoas negligenciadas, em situação de carência. "O que elas precisam é de conforto, serem ouvidas. Não de julgamento", resume Bernardo. E ele recebe esse mesmo amparo dos seus pets. "Se estou triste, não preciso falar nada, eles se aproximam e me dão apoio. Com eles, aprendi a ser querido e afetuoso." A simples contemplação e o ato de acariciar os bichos também produzem sensações reconfortantes. Uma das recompensas de uma jornada cansativa, afirma ele, é chegar em casa e pegar seu coelho Fuzarca no colo. "Não tem como estar perto de um animal peludo desse e não agradá-lo, não fazer carinho. Sem dúvida, é terapêutico."