especial

Sem curtidas! ‘Like’ você mesmo

Amanda Milléo
11/12/2014 02:18
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Mariana faz selfies* todos os dias, e posta no Facebook só para ver quantas curtidas vai receber. Ela publica cada viagem, encontro com amigos, ida à balada e sempre confere quantos foram os comentários. Para o Instagram, baixou aplicativos que multiplicam o número de coraçõezinhos e faz todo mundo pensar que a foto é merecedora de tantas admirações. Se não receber tudo o que espera, ela apaga a publicação. A felicidade de Mariana está dependente do sucesso nas mídias sociais. Mas, e a sua?
Existem muitas Marianas nas timelines*, que expõem tudo o que há de melhor – ou mesmo maquiam algumas imperfeições – para buscar elogios e olhares de reconhecimento. Receber uma coçadinha no ego de vez em quando não é errado e, inclusive, trata-se de uma necessidade humana. "Na pirâmide de motivações dos seres humanos, a principal é a sobrevivência, seguida da sensação de segurança, e logo depois a necessidade de sentir-se amado e reconhecido pelos outros. As referências que antes vinham da família, dos amigos, hoje vêm da internet e isso não é necessariamente bom", afirma o psicólogo especialista em neurociência e coordenador do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Naim Akel Filho.
O exagero em mostrar o que se faz, ama e odeia é sintoma da cultura da vaidade e sociedade do espetáculo, além de expor a insegurança inerente às pessoas, segundo a psicóloga especialista em qualidade de vida, Débora Denardi. "Esquecemos que a conexão com o nosso eu é o que dá autoestima, em todas as áreas da nossa vida. Essa busca tão intensa e até desesperada pela opinião alheia tenta, na verdade, evitar que se olhe para si e aceite que ninguém é perfeito", explica.
Angústia
Cantar a felicidade e esperar que os amigos compartilhem esses momentos não é algo negativo. A partir do momento em que a felicidade da pessoa e o valor dela dependem desse retorno recheado de elogios, ela foi além de onde poderia. "Ela deixa de cumprir os desejos que tem por medo do que os outros eventualmente venham a comentar ou, às vezes é ainda pior, ela nem tem desejos próprios, está totalmente alheia a quem é, porque tem pautado a vida por aquilo que vem de fora", explica o professor de psicanálise e sociologia da Universidade Positivo, Nei Ricardo de Souza.
"Acontecendo ao vivo ou on-line, o sentimento de não fazer parte é o mesmo. Nos jovens, as principais consequências desse sentimento de exclusão aparecem no rendimento acadêmico, com sintomas de depressão e ansiedade, mas que também surgem entre os adultos, com insegurança e, normalmente, em crises no trabalho, nos relacionamentos ou na família", explica a professora do curso de Psicologia da PUCRS, Carolina Lisboa.
Não perca de vista quem você é
Dentro do mundo virtual é muito fácil se perder e criar personagens mais "interessantes" aos olhos dos outros – uma foto com o filtro mais bonito, frases de efeito. Adaptar a personalidade de acordo com o ambiente, idade, grupo em que estamos até certo ponto é normal, de acordo com a psicóloga Débora Denardi. "Nós conseguimos ser flexíveis na personalidade de forma positiva, usando estratégias que atinjam os objetivos. Mas estamos perdendo o controle de até que ponto podemos ir, está em excesso", afirma.
Não é difícil se acostumar e aceitar que a opinião do outro é mais importante que a sua. Na infância, a primeira identidade se espelha na relação com pais ou responsáveis, como ser filho, primo, irmão e seguir aqueles considerados os ‘líderes’, como pai, mãe e irmãos mais velhos. Com o passar dos anos, no entanto, a pessoa deve buscar uma autonomia e uma identificação própria, sem a dependência externa tão influente. "Quando é criança, adolescente, entendemos que ela está formando uma identidade. Mas, nos adultos temos de entender o que aconteceu, se ele trouxe uma insegurança da infância que precisa ser preenchida pelas curtidas ou está em crise na família, no trabalho, nos relacionamentos", diz a psicóloga professora da PUCRS, Carolina Lisboa. "Às vezes, ficamos tão acostumados com o que o outro diz, e refém de que sempre confirme o que somos, que não conseguimos ter essa independência. É quase como se não conquistássemos uma autonomia enquanto sujeitos", afirma o professor de psicanálise Nei de Souza.
Desconfie da felicidade extrema
Ninguém é feliz o tempo todo, todo o tempo. Por maior que seja a desconfiança naquela perfeição construída, na maior parte das vezes as pessoas tendem a acreditar nesse mundo imaginário, causando angústia e ansiedade por não ser tão "feliz" quanto o colega aparenta ser. Poucos lembram, de acordo com uma pesquisa da Universidade de Stanford, publicada em 2010, que as emoções negativas são escondidas na vida privada duas vezes mais em comparação às positivas, que dão a sensação de felicidade constante.
*selfie: autorretrato feito normalmente com um aparelho celular smartphone, tablets ou câmeras digitais.
*timeline: linha do tempo onde aparecem as atualizações nas mídias sociais.