Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Adolescente tenta perder peso para competição de judô e vai parar em hospital

Amanda Milléo
28/09/2017 08:00
Thumbnail

(Foto: Bigstock)

As intensas dores na região abdominal não foram suficientes para fazer um adolescente aceitar tomar água ou comer qualquer coisa logo quando foi internado no hospital Pequeno Príncipe, há cerca de duas semanas. Vindo de um estado do Norte do país, o jovem de 14 anos, cuja identidade será preservada no texto, demonstrava estar muito preocupado em não ganhar nenhum grama a mais de peso, visto que estava em Curitiba para uma competição infanto-juvenil de judô. Este fato acendeu o alerta dos médicos e especialistas do hospital.
Prática comum em esportes como MMA e até mesmo judô, os atletas procuram ganhar vantagem sobre os adversários no peso. Embora sejam mais indicados a uma categoria de peso maior, alguns profissionais procuram técnicas, como a desidratação em uma sauna ou banheira, para perderem os quilogramas suficientes que os façam entrar em uma categoria mais “leve” rapidamente – por mais que, geralmente, sejam mais pesados que os competidores. Isso garantiria uma vantagem competitiva, especialmente porque a perda é feita entre 24 a 48 horas antes da pesagem.
Como essa perda de peso acontece de forma rápida e intensa, gera efeitos significativos no organismo. Em adultos, não é incomum atletas enfartarem e até mesmo morrerem em decorrência da intensidade do calor e da desidratação. Daniel Carvalho, médico ortopedista e membro do comitê médico da Comissão Atlética Brasileira de MMA (CABMMA), relatou o caso de mortes recentes, como o do lutador brasileiro Leandro “Feijão” Souza, que tentava perder 15 quilos em uma semana.
Se o efeito é tão intenso no organismo dos adultos, no dos adolescentes chega a ser ainda pior. “As alterações fisiológicas são as mesmas que no adulto. A desidratação aguda leva a uma redução na resistência muscular, pois diminui o fluxo sanguíneo para os músculos, diminui também a função cardiovascular, o sangue fica mais espesso, aumenta a pressão arterial, entre outras questões. Porém, é preciso lembrar que a criança e o adolescente estão ainda desenvolvendo esses sistemas, então com certeza o efeito é pior”, explica o médico ortopedista.
Quando adotam a perda de peso pela desidratação, usando uma sauna por exemplo, é provável que desenvolvam a chamada Doença por Calor. “Causada pela desidratação, a doença é um quadro agudo e o corpo sofre câimbras, perda de consciência e chega à exaustão pelo calor”, reforça Carvalho.
Não há também nenhuma regulamentação, de acordo com Carvalho, que impeça esse tipo de ação no público mais jovem. Algo que poderia desestimulá-la é o fato de que, no judô, a pesagem e a luta acontecem no mesmo dia. Por a recuperação ser demorada depois de um processo de desidratação, os atletas poderiam evitar esse tipo de prática, mas não é o que acontece na realidade. “Temos estudos que mostram que no MMA 40% dos atletas lutam desidratados. No judô, pode diminuir um pouco o risco, mas ainda assim o atleta vai querer ganhar uma vantagem em cima disso”, diz o médico.
Restrição alimentar pode impactar na estrutura óssea do jovem
O metabolismo, o sistema imunológico, além das estruturas ósseas são impactados quando a criança ou adolescente querem diminuir o peso restringindo a ingesta de nutrientes e calorias. Essenciais para essa época de estirão do crescimento, o cálcio e o potássio em falta podem enfraquecer os ossos e até predispor a doenças mais graves.
“A criança ou adolescente podem ter desencadeado uma osteoporose ainda na infância. A má nutrição na infância tem reflexo também na vida adulta, assim como o excesso de exercícios físicos. Podem alterar a tração nas cartilagens e podem ter lesões, inflamações das articulações, entre outras”, explica Edilson Forlin, médico ortopedista pediátrico do hospital Pequeno Príncipe.
A quantidade de atividade física indicada a crianças e adolescentes, segundo Forlin, é de exercícios moderados, quatro vezes por semana, com duração máxima de uma hora e meia. “Se passar disso, entra em um nível de competição que não é saudável para o jovem. Além disso, a competição e pressão por resultados fazem com que a criança vá além do que ela normalmente iria, por esse desejo de atingir uma performance”, reforça.
É sabido que os futuros atletas não recebem exigências por performance somente depois dos 18 anos, e isso impacta tanto na questão física, mas também psicológica. “A criança ainda está em um momento de tentar, conseguir ou não e se frustrar. Quando isso se mescla a uma expectativa de competição, de ganhar medalhas, gera outro efeito. Pode surgir mais ansiedade na criança”, diz Andrea Cañete, psicóloga do hospital Pequeno Príncipe.
Além da expectativa dos técnicos, treinadores e sociedade, conforme explica a especialista, outro erro comum vem da expectativa que os próprios pais depositam no filho atleta. “Sempre tem que avaliar as consequências dessas escolhas para a criança ou adolescente. É preciso avaliar os danos e ver, a cada etapa, até que ponto isso está sendo benéfico”, reforça a psicóloga.
LEIA TAMBÉM