Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo E Rafael Costa

STF derruba artigo de lei que autorizava venda do amianto; mineral causa câncer

Amanda Milléo E Rafael Costa
24/08/2017 17:14
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No Brasil é liberada a produção e venda do amianto, usado em telhas e caixas d'água (Foto: Bigstock)

A produção e venda do amianto no Brasil passou por duas votações no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quinta-feira (24). Na primeira, não houve quórum para decidir se o amianto teria a compra e produção liberada no país e a votação não teve efeito sobre a lei federal. À princípio, o amianto continuava liberado no país.
Quando foram votar pela liberação ou proibição do amianto apenas no estado de São Paulo, surgiu uma diferença: os ministros Dias Toffoli e Luís Barroso puderam participar dessa segunda votação. No primeiro momento, ambos não puderam participar porque Toffoli era Advogado-Geral da União na época de ingresso da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e Barroso foi autor de um dos pareceres da ação.
Na segunda votação, os ministros do STF analisariam a lei estadual paulista, mas precisaram voltar a um artigo específico da lei federal — justamente o que autorizava o amianto. Os ministros entenderam, então, que a lei deixou de ser constitucional, porque nos últimos 22 anos de vigência ela não havia sido atualizada, como era a exigência da própria lei. Isso demonstrava um claro prejuízo aos trabalhadores expostos ao mineral, comprovadamente causador de cânceres agressivos.
Como São Paulo era um dos estados brasileiros que, na contramão da lei federal, proibia a compra e venda de amianto, a constitucionalidade da lei estadual foi mantida.
A questão ainda está sendo discutida e há divergências entre os próprios ministros. Em nota, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) — uma das autoras da ADI que questionava a continuidade do uso do amianto no Brasil — diz que a inconstitucionalidade da lei não tem efeito para um banimento do mineral.
Médicos oncologistas, representantes de saúde e, principalmente, pacientes em tratamento contra cânceres causados a partir da exposição ao amianto não sabem se comemoram ou se lamentam o resultado.
Amianto causa câncer agressivo
Qualquer pó da fibra do amianto causa uma agressão importante no pulmão, podendo evoluir a um câncer. Quando se fala em exposição, segundo João Soares Nunes, médico oncologista do hospital Erasto Gaertner, não há nível seguro.
“A relação do amianto com o desenvolvimento de cânceres, especialmente do pulmão e do mesotelioma [tumor dos tecidos que reveste os pulmões, estômago, entre outros órgãos], é direta. Nos países desenvolvidos, o amianto é proibido e eles fazem telhas e caixas d’água com outros polímeros, sem o mineral”, reforça o médico.
Os cânceres causados pelo amianto são, geralmente, silenciosos e bastante agressivos. “Quando a pessoa sente algo, que geralmente é uma tosse, falta de fôlego, às vezes dor no tórax, o tumor está muito grande. É um câncer ruim de tratar e com poucas chances de cura”, explica Nunes.
De acordo com Laurindo Moacir Sassi, cirurgião bucomaxilofacil do hospital Erasto Gaertner e coordenador da residência da área na mesma instituição, além do câncer de pulmão e o mesotelioma, o amianto também é capaz de causar cânceres na região da boca e pescoço – área em que trabalha. “E se engana quem acha que a doença atinge só quem trabalha com o mineral. As fibras do amianto grudam na roupa do trabalhador que, quando for lavada, pode ser inalada por quem manipular aquela roupa. As fibras se colocam na mucosa bucal, da face nasal e, como mostra a literatura, geram vários tumores”, reforça o médico.
Amianto sendo observado de perto
Em 2016, o Ministério Público do Trabalho do Paraná, em parceria com diversas instituições de saúde do estado e representantes de pacientes afetados pelo mineral, criaram o Observatório do Amianto. A ideia é reunir esforços para estudar os efeitos do mineral na população – especialmente entre os trabalhadores de indústrias que produzem materiais com amianto.
Recentemente, uma mulher norte-americana ganhou indenização contra uma empresa farmacêutica e cosmética pelo uso contínuo, durante décadas, de um talco de bebê que continha amianto. A exposição ao mineral causou nela um câncer de ovário, embora atualmente não se misture mais o amianto ao talco. Outros produtos, porém, ainda recebem a substância, como telhas e caixas d’água, além de peças automotivas.
“Se a pessoa tiver uma telha dessas em casa, com amianto, não serre sem proteção. Não respire, de forma alguma, o pó da telha. Não existe um nível seguro de exposição. Qualquer exposição pode desenvolver câncer”, reforça o médico oncologista João Nunes.
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