Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Curei do câncer de mama, e agora?

Amanda Milléo
15/10/2016 14:30
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Foto: Bigstock

Com o diagnóstico de cura em mãos, muitas mulheres ainda têm um longo caminho de superações, que vão do lado fisiológico ao psicológico, antes de retomarem a vida pré-câncer de mama. Mais da metade das pacientes, cerca de 70% delas, precisa tomar medicamentos de bloqueio hormonal durante os próximos cinco a 10 anos, o que gera sintomas de menopausa precoce ou a exacerbação desses sintomas. Atividades físicas, como ioga, têm surgido como soluções salvadoras para diminuir o desconforto, além de prevenir a recidiva da doença.
Boa parte dos casos de câncer de mama no Brasil é de tumores que usam os hormônios femininos para se desenvolver. Depois da quimioterapia e cirurgia, as pacientes precisam de medicamentos que bloqueiam a ação do hormônio estrogênio sobre a célula mamária, a fim de evitar a volta do câncer. Embora o resultado seja positivo e importante para o tratamento, os efeitos colaterais são calorões, secura vaginal e alterações osteoarticulares – sintomas conhecidos da menopausa.
Para atenuar esses sintomas, são recomendados remédios específicos de cada desconforto, além de uma boa dose de exercícios físicos. Pesquisas mais recentes têm mostrado uma relação positiva entre exercícios, manutenção do peso e a prevenção da volta do câncer. Isso porque o tecido gorduroso produz mais hormônios femininos na pós-menopausa. Quando se combate a obesidade, reduz em 23% as chances de recidiva. O efeito dos exercícios é, para alguns especialistas, comparável ao tratamento quimioterápico.
O tipo de exercício físico não importa, desde que mescle movimentos aeróbicos com de resistência muscular e que ajude na flexibilidade da mulher. O exercício de força preserva a massa óssea, que pode ser prejudicada durante o tratamento, enquanto o aeróbico trabalha no fortalecimento cardiovascular e da circulação periférica, e a flexibilidade reduz as dores e desconfortos. Três dias na semana é o mínimo recomendado, mas quanto mais, melhor.
Reposição hormonal: pode ou não?
Às mulheres cujos tumores eram dependentes dos hormônios femininos, a reposição hormonal está a princípio proibida, pois vai contra toda a ideia de prevenção da volta da doença. Embora a reposição pudesse ser uma maneira mais rápida de atenuar os sintomas da menopausa, a elas cabem outros medicamentos, que tratam de cada sintoma isolado – como um lubrificante para a secura vaginal e antidepressivos.
Para as outras mulheres que passam pelo câncer de mama, mas não há relação hormonal, cerca de 30% dos casos, a reposição pode ser administrada, se houver necessidade. Em cada caso, porém, há uma avaliação entre risco e benefício, pensada pelo médico e paciente.
Como voltar à vida antiga
Durante meses ou anos, a mulher em tratamento contra o câncer de mama transforma a estrutura da família, muda sua identidade e precisa achar forças para combater uma doença ainda estigmatizada pela mortalidade. Passado esse período e diante da cura, toda a vida antiga, seus planos e sonhos, volta à tona, e isso nem sempre é fácil de trabalhar. O Viver Bem conversou com a Francine Portela, psicóloga oncológica, especialista pelo INCA e pela Fiocruz, da Oncomed-BH com experiência em cuidados paliativos, para entender o impacto pós-câncer no psicológico da mulher. Confira!
Quais são os primeiros impactos pós-câncer de mama?
O tratamento contra o câncer de mama requer uma mudança do lugar da mulher. Há uma reformulação do papel dela dentro da família, da sua identidade, e do seu o corpo. O tratamento é pesado e desgastante, o que faz com que a pessoa foque apenas nisso durante anos. Com o diagnóstico de cura, vem outra rotina a que ela precisa se adequar, e o foco vai para o mercado de trabalho, os estudos, o novo formato da família. Esse é o momento em que a mulher olha para todos os planos e para a vida do passado e repensa se ela quer continuar com eles ou se quer fazer outro caminho.
É mais comum que ela volte à vida antiga ou siga um novo caminho?
Depende muito da história de vida dessa pessoa, mas o mais comum é que ela reformule a vida. O diagnóstico do câncer vem como um susto, e tudo que a mulher planejou fica parado, esperando passar o período do tratamento. É comum que ela retome os planos que não foram feitos, um curso ou uma viagem, mas também que mude completamente de vida, com uma separação conjugal.  O mais importante é que ela separe um tempo para se olhar e observar o que foi essa vivência, desde o diagnóstico até a cura, e reconhecer o seu potencial, tudo que ela conseguiu enfrentar e o quanto ela mudou com tudo isso.
Existe a ideia de culpa por ter sobrevivido?
Existe sim. ‘Por que eu consegui e ela não?’ É muito comum que as mulheres em tratamento criem vínculos entre elas. A perda de uma amiga que enfrentava o mesmo tratamento é muito doloroso e traz a noção de que, se ela morreu, eu também posso morrer. Mas também a ideia de culpa. As mulheres precisam de um acompanhamento psicológico para ajuda-la a ver o caminho que ela teve e olhar para a sobrevivência de forma positiva, para que se sinta digna e com potencial.
Como as mulheres lidam com os efeitos colaterais do tratamento pós-câncer?
São sintomas que mexem muito com o ser mulher, com a fertilidade, com os planos de vida. Elas precisam enfrentar questões importantes sobre querer ter filhos, mudança na sexualidade, sintomas da menopausa que só viriam mais para frente. A própria questão da sexualidade, que fica escondida durante todo o tratamento, também retorna.
Quais são os principais medos das mulheres nesse período?
Elas têm medo da volta ao trabalho, ‘será que eu vou dar conta?’, medo da impotência, medo do retorno da própria doença, que pode acontecer e tem mais risco nos anos seguintes ao diagnóstico de cura. Medo de voltar ao ritmo antigo, de retomar as atividades e ter de abrir mão dessa rotina pela volta da doença. A questão da finitude. Olhar para a ideia da morte e não deixar que ela nos paralise ou que nos coloque em depressão.
Qual é o papel da família e dos amigos nesse momento?
Eles são importantes em qualquer momento, do início ao fim do tratamento. Muitas vezes, é durante o tratamento que a pessoa percebe o quanto ela é importante para os outros ao seu redor. Eles também são importantes quando a mulher não aceita um aconselhamento genético, mas a família e os amigos sim. Às vezes a família adoece mais psicologicamente do que o próprio paciente, e também precisa de cuidados e acompanhamento.
Fontes: José Clemente Linhares, oncologista e mastologista chefe do serviço de ginecologia e de mama do Hospital Erasto Gaertner; Fábio Postiglione Mansani, mastologista e atual secretário adjunto da Sociedade Brasileira de Mastologia; Vinicius Milani Budel, presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia, regional do Paraná; Maria Cristina Figueroa Magalhães, oncologista clínica da Neosaúde e professora da PUCPR.
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