Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Cansaço levou curitibana a um diagnóstico que atinge mulheres cada vez mais jovens

Amanda Milléo
17/04/2018 07:00
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Meilanny descobriu a esclerose múltipla aos 20 anos, enquanto caminhava com o pai pelo Parque Barigui (Foto: Letícia Akemi / Gazeta do Povo) | Leticia Akemi

Correr pelo parque, fazer trilha no meio da mata, jogar futsal com os amigos são práticas que Meilanny Fontoura, 26 anos, não pode mais fazer. Pelo menos não na mesma intensidade, ou até recuperar a resistência do corpo que, desde o diagnóstico da esclerose múltipla, passou por uma montanha-russa de sensações.
Acostumada a caminhar longos trajetos, Meilanny ia da sua casa, no bairro Santa Felicidade, até o centro de Curitiba, a pé, sem pestanejar. Aos poucos, foi percebendo que a fadiga tomava conta do ritmo, e ela precisava parar com frequência para recuperar o fôlego e descansar. “Preciso voltar para a academia e fazer exercícios físicos”, pensava a jovem, sem considerar uma doença crônica e mais grave por trás.

Primeiro sinal

Foi caminhando com o pai no parque Barigui que um dos principais sintomas da esclerose se manifestou. “Simplesmente parei de sentir tudo da cintura para baixo. Fomos a um neurologista, porque isso não é normal e demorou um ano, passando de médico em médico, para que eu tivesse o diagnóstico. Além da fraqueza, eu perdia toda a sensibilidade dos membros”, relata a jovem formada em Direito, mas que trabalha na área administrativa atualmente.
Meilanny se lembra de ter visitado, ao menos, cinco médicos até que alguém cravasse o diagnóstico da esclerose múltipla. “É comum pessoas da minha idade terem a esclerose, mas recebi um diagnóstico tardio porque os médicos não conseguiam fechar. Por ser uma doença neurológica, os sintomas poderiam demonstrar outras condições, com tratamentos diferentes. Os médicos tinham medo de começar um tratamento da esclerose sem ter essa certeza”, conta a jovem, que descobriu a doença aos 20 anos.

Detecção complicada

Segundo André Gustavo Dobrowolski, médico especialista em Neurologia e chefe do serviço de Neurologia do hospital VITA Curitiba, o diagnóstico da esclerose múltipla é sempre muito difícil para os médicos:
“Não fazemos o diagnóstico no primeiro surto da doença, ou na primeira manifestação dos sintomas. É feita uma avaliação clínica, inicialmente, e depois uma ressonância do sistema nervoso central, que verifica tanto o cérebro quanto a medula. O diagnóstico exige um conjunto de lesões no cérebro espalhados no tempo e espaço, então é preciso ter mais de uma lesão em tempos diferentes, como dois exames com três meses de diferença, e indicando essa piora”, explica o especialista.
O medo de Meilanny era que, se o tratamento demorasse para começar,  os sintomas ficariam mais intensos, como no caso da atriz Claudia Rodrigues. A doença fez com que a atriz fosse internada várias vezes por surtos da doença, que comprometeram visão e audição, além da qualidade de vida. A atriz está afastada das produções televisivas desde 2014.
“Lembro que depois que sai da consulta com o primeiro médico, joguei todos os sintomas no Google e fiquei na dúvida se era mesmo esclerose. Depois de um ano de dúvida, eu já tinha aceitado a doença e depois de passar por tanto médico, eu só queria saber se era mesmo a esclerose”, diz Meilanny.
(Foto: Letícia Akemi / Gazeta do Povo)
(Foto: Letícia Akemi / Gazeta do Povo)

Tratamento e futuro com a esclerose múltipla

Na época do diagnóstico da Meilanny, todo mundo só falava na ELA – Esclerose Lateral Amiotrófica, doença que ficou conhecida sobretudo pelo físico britânico Stephen Hawking ser portador. Embora tenha o mesmo primeiro nome, não é a mesma doença e a gravidade também é bem diferente, sendo a ELA muito mais debilitante.
A esclerose múltipla, por outro lado, é relativamente comum, atingindo cerca de 35 mil brasileiros, segundo estimativa da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (ABEM) e o tratamento adequado consegue segurar o avanço dos sintomas.

“Hoje temos duas linhas de tratamento com benefício comprovado, que são o tratamento do surto em si, que é feita aplicação do medicamento por via endovenosa, no hospital; e o tratamento com drogas modificadoras da doença, que visa espaçar e diminuir as frequências e intensidades dos surtos. Esse segundo tratamento é dado de forma contínua, ao longo da vida”, explica Dobrowolski, especialista em neurologia.

A doença, crônica, ainda não tem cura e nem uma causa definida. “A esclerose tem um fundo genético, que aumenta a possibilidade de desenvolvimento em uma família, mas a grande maioria dos casos é aleatório. Os países frios têm uma predisposição a ter mais, mas estudos constataram que os esquimós, por exemplo, tem uma incidência de esclerose muito parecida com alguns países dos trópicos”, diz o especialista.

“Me pegou de surpresa”, leia o depoimento de Meillany:

“Foi uma bomba. Todo mundo achou que era bem mais grave, na verdade, porque a falta de conhecimento sobre a doença é complicada.Confundiam com a ELA e você via as pessoas com aquele pavor, falando ‘fica tranquila, vai ficar tudo bem’ e eu tentava explicar que não era a mesma coisa, que eu estava bem.
Os amigos sumiram, porque eu fiquei muito tempo em tratamento. Deletei Facebook, todas as redes sociais. Automaticamente você se afasta e fica com outras coisas na cabeça. Aquela vontade de ficar saindo meio que se perde.
Eu tinha outra rotina. Ia em bar, balada, saía bastante. Depois as prioridades mudaram e eu me reaproximei da família, fiquei perto dos poucos e bons amigos.
Hoje eu tenho outras rotinas. Parei de sair do jeito que eu saía. Perdi o gosto. Hoje prefiro me reunir em casa, ver um filme. Eu estou trabalhando, me formei em Direito, pós-graduei também e trabalho agora com Tecnologia de Informação (T.I). E estou bem, faço fisioterapia e exercício físico para recuperar a perda muscular.
E eu tenho que cuidar muito da temperatura do meu corpo, porque os sintomas estão presentes e não aparecem do nada. Um dos meus sintomas é essa intolerância ao calor que faz com que eu perca a coordenação, a sensibilidade e força. Muita gente acha que é preguiça, mas não é. Eu tento brincar, quando as pessoas querem caminhar longas distâncias, eu digo: ‘ahh não quero andar, não quero ir, é muito longe’. Mas é porque eu sei que a minha perna falha.”

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