Saúde e Bem-Estar

Filhos criados com “muita liberdade” negligenciam os pais quando adultos

Bruna Porciúncula/Agência RBS
14/10/2015 08:00
Thumbnail

Falta de espontaneidade e demonstração de afetos são as principais reclamações dos pais (Foto: Bigstock)

Há décadas pesquisando as relações entre pais e filhos, Tania Zagury, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisou os principais efeitos colaterais de uma educação sem limites. Mais de cem pais foram entrevistados para saber como está a relação hoje entre os filhos, nascidos entre os anos 1970 e 1980, e os pais, que são da geração que nasceu no pós-guerra, os chamados baby boomers ou apenas boomers. O resultado integra o livro Filhos Adultos Mimados, Pais Negligenciados, lançado recentemente pela Editora Record.
Na infância, os filhos receberam uma educação mais liberal, sem os rigores a que os pais foram submetidos. Essa postura mais “solta” no educar, segundo a autora, foi uma tentativa de colocar em prática uma educação baseada mais no companheirismo e na amizade do que na hierarquia familiar e nas configurações de autoridade dos adultos. A atitude também evitava o distanciamento entre pais e filhos, comum nos anos anteriores à guerra.
Das entrevistas e questionários, a autora concluiu os principais efeitos colaterais dessa educação liberal: frustração e decepção na convivência, especialmente pela falta de limites na educação, que também se reflete no desempenho e na postura dos filhos agora como pais das novas gerações.
“O que esses pais, hoje avós, querem é um pouco da atenção que deram aos filhos. Uma das perguntas que fiz foi: ‘No último mês, quantas vezes o seu filho foi lhe visitar exclusivamente para vê-lo, sem que o senhor o convidasse?’ Nenhum deles disse que os filhos foram espontaneamente. Em geral, só apareciam se convidados e, em 99% das vezes, para pedir alguma coisa. Não é falha de caráter, é o poder da educação. Ele é educado para ser o filho tirano”, explica a autora.
Mais atenção
Os pais, hoje avós, não se sentem abandonados, tampouco deixam de ser atendidos pelos filhos em uma situação de emergência, mas queixam-se da falta de espontaneidade e de demonstração de afeto. Nas entrevistas para o estudo, há relatos desapontados de poucas visitas e até de regras rígidas de convivência com seus filhos e netos.
“Os pais têm de ser os ‘pais’ de seus filhos, proporcionando que os ensaios de amizade sejam exercidos entre os irmãos. Quando se rompe essas fronteiras, as funções ficam comprometidas. É uma questão de equilíbrio. Tudo que é excessivo não é bom, até o amor”, avalia Sandra Guimarães, psicopedagoga integrante da diretoria da Associação Brasileira de Psicopedagogia no Rio Grande do Sul, especialista em terapia de família e neuropsicologia.
O quadro que Tania Zagury encontrou não é exclusividade de uma geração, tampouco pode ser justificado apenas pela falta de limites. Para a psicóloga Ieda Zamel Dorfman, presidente da Associação Gaúcha de Terapeutas de Família, é importante considerar as expectativas criadas pelos baby boomers ao investirem em uma educação farta de liberdade. “Esses pais queriam que os filhos ficassem eternamente filhos ou fossem cuidadores para sua velhice? Isso nem sempre acontece”, diz Ieda.
Sendo mau filho e mau pai
Em um contexto geral, a psicóloga chama a atenção para algo que considera ainda mais grave: os adultos de hoje, por conta das exigência do mundo moderno, podem até estar negligenciando os pais, mas também estão ausentes da educação dos próprios filhos, relegando-a às escolas, creches e, por conveniência, à tecnologia.
“Se o pai dessas pessoas está reclamando que é negligenciado, o filho delas também está. Esses pais estão trabalhando, não estão em casa e aqueles horários de convivência familiar, como café da manhã e almoço, não foram preservados. O filho está sentindo a desorganização familiar.”, afirma Ieda.