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The Washington Post

Gravidez muda cérebro de mulher até dois anos depois do parto

The Washington Post
02/01/2017 20:00
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Pela primeira vez, cientistas descobriram evidências de mudanças específicas e duradouras causadas no cérebro de mulheres grávidas. Essas mudanças foram medidas em áreas cerebrais responsáveis pela cognição social e pela capacidade de compreender os pensamentos e intenções alheias, sugerindo que elas podem intensificar os laços maternos com o recém-nascido.
O estudo com ressonâncias magnéticas cerebrais, conduzido na Espanha, foi um estudo prospectivo que observou os cérebros de 25 mães antes e depois de sua primeira gravidez, e então comparou as imagens com as de dois anos após o parto.
Os pesquisadores compararam as imagens cerebrais dessas novas mães com as de 19 pais (também após suas mulheres terem seu primeiro filho), bem como 17 homens e 20 mulheres sem filhos.
O padrão das mudanças estruturais que os pesquisadores observaram nas mães eram tão distintos que era possível identificar as mães apenas pelas imagens cerebrais. Essas mudanças eram duradouras, estando presentes por até dois anos, pelo menos, exceto por um retorno parcial ao seu estado anterior que foi observado no hipocampo, uma estrutura cerebral muito ligada à memória.
O estudo das ressonâncias magnéticas demonstrou mudanças na massa cinzenta, a camada externa do cérebro que contém os corpos celulares dos neurônios. A massa cinzenta em certas áreas encolheu em tamanho após a gravidez, um fenômeno conhecido como “poda sináptica”. Um encolhimento parecido é observado no começo da infância e durante a adolescência.
A massa cinzenta contém muitas interconexões entre neurônios, e, durante esse processo, as conexões mais importantes são fortalecidas, enquanto outras são deixadas de lado. Em vez de indicar uma perda de capacidade, a poda sináptica é geralmente vista como um sinal de que uma região do cérebro se tornou mais especializada.
Os pesquisadores descobriram também que algumas mulheres passavam por uma poda sináptica maior do que as outras, e que aquelas que mais demonstravam o fenômeno pareciam ter laços mais fortes com seus bebês.
“As mudanças de volume de massa cinzenta durante a gravidez eram um indicativo significativo da qualidade do apego entre a mãe e o filho, bem como de ausência de hostilidade em relação a recém-nascido durante o período pós-parto”, escreveram os autores num estudo publicado na última segunda-feira, na Nature Neuroscience.
Apego ao bebê
Em um experimento subsequente, os pesquisadores mostraram imagens de vários bebês para mulheres e descobriram, sem surpresa, que os cérebros das mulheres reagiam de forma mais forte às fotos dos seus próprios bebês. As ressonâncias, dizem eles, revelavam que a “atividade neural mais forte em resposta aos bebês das mulheres correspondia a regiões que perderam volume de massa cinzenta durante a gravidez”.
A gravidez está associada a um pico de hormônios sexuais semelhante ao produzido durante a puberdade. Os pesquisadores notaram que a massa cinzenta também é podada durante a adolescência, quando todo um espectro de mudanças emocionais, cognitivas e comportamentais começam a alterar as configurações do cérebro adolescente.
Cordelia Fine, psicóloga da University of Melborne, que não participou da pesquisa, afirmou que, apesar da amostragem pequena, “este é um estudo sólido”. Fine é autora de vários livros sobre gênero e sobre como as diferenças entre masculino e feminino são muitas vezes exageradas nas ciências. “Os autores tomam os cuidados necessários de não concluir que as mudanças cerebrais observadas são causadas por hormônios (ou só pelos hormônios), visto que eles não mostram isso diretamente. Porém, esta é certamente uma hipótese plausível”.
Fine avisa que as áreas cerebrais identificadas pelos cientistas são também responsáveis por outras funções, não apenas apego.
Um ponto significativo em que é preciso cuidado, segundo ela, é que, apesar de os autores do estudo “especularem que as mudanças cerebrais estruturais que eles observaram são subjacentes à maturação” de redes neurais que “podem facilitar o apego… vale a pena apontar que os autores mensuraram os níveis de empatia antes e depois da gravidez e não encontraram qualquer alteração neles”.
Segundo os autores do estudo, essas mudanças no cérebro podem “servir a um propósito adaptativo em relação à maternidade por vir”, isto é, quanto mais forte o apego mãe-filho, maiores as chances de a criança sobreviver.