Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Pai transforma memória da filha em robô que salva vidas

Amanda Milléo
11/12/2016 16:00
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Robô Laura ajuda na identificação precoce da sepse no hospital Nossa Senhora das Graças (Foto: Divulgação)

Tão rápido quanto veio ao mundo, Laura se foi. Nascida de forma prematura, a menina estava no grupo de risco para a sepse, síndrome que surge de uma resposta desregulada do organismo a uma infecção e, se não tratada logo de início, pode levar a morte. Os médicos não perceberam quando os primeiros sinais apareceram e a família foi pega de surpresa com o falecimento da recém-nascida. O pai, que é analista de sistemas, não deixou a história de Laura passar em branco e a transformou em um robô, para salvar outras vidas.
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Durante dois anos, Jacson Fressatto, pai de Laura, diretor de produtos e fundador da Laura Network, estudou a sepse e, em 2014, o primeiro protótipo da robô Laura ficou pronto. A ideia era que Laura analisasse as informações de exames e dados vitais dos pacientes e identificasse os sinais precoces da sepse. Por ser um robô que aprende, ao receber os dados de pacientes antigos e o protocolo de diagnóstico da síndrome, Laura consegue alertar a equipe médica para começar o tratamento antes que a síndrome se agrave, diminuindo o risco de mortalidade.
Em julho deste ano, Laura foi conectada aos servidores do hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba, e desde setembro analisa os registros de todos os pacientes no sistema do hospital. Ao perceber que alguém pode entrar em risco para a síndrome, o robô envia um alerta para as equipes médicas e de enfermagem.”Todo esse processo de entrar no sistema do hospital, fazer a leitura e identificar quem está em risco leva 3.8 segundos“, explica Fressatto, criador do robô Laura.
Em uma televisão no meio do posto de atendimento, Laura diz o número do quarto do paciente que precisa de atenção prioritária – e sempre que isso acontece, a tela fica alaranjada. Se não há nenhum paciente em alerta, a tela se mantém azul.
“A diferença no tratamento com a Laura é que a velocidade de leitura de todas as bases de dados do hospital potencializa o nosso trabalho. Hoje temos menos casos graves detectados, porque identificamos sinais possíveis de sepse bem no início. Neste mês, não tivemos nenhum óbito decorrente da síndrome“, explica Viviane Dias, médica infectologista, coordenadora do serviço de controle de infecção hospitalar no hospital e presidente da Associação Paranaense do Controle de Infecção Hospitalar.
“Ela é um robô que aprende, é uma tecnologia cognitiva única. Não existe outro hospital com sistema parecido com o da Laura. É o primeiro robô cognitivo gerenciador de risco no mundo. Essa é uma oportunidade de Curitiba construir algo que pode solucionar um problema para todos, pois a sepse afeta um bilhão de pessoas no planeta”, explica Fressatto.
(Foto: Divulgação)
(Foto: Divulgação)
Rotina médica diferente
Desde que chegou, o robô se integrou à equipe médica e de enfermagem tão bem que é tratado pelo primeiro nome por todos. “Nós até falamos que a Laura é mais um cuidador no hospital. Para os médicos, falamos: ‘atenção, doutor, a Laura sinalizou isso, ela alertou aquilo‘. É bacana contar com essa tecnologia. Ela trouxe um olhar mais ágil e ajudou a antecipar o atendimento ao paciente”, diz Luciane Zanetti, diretora do serviço de enfermagem do hospital.
Além das televisões, que se encontram em dois postos de atendimento do hospital, a equipe conta também com um sistema de mensagens e e-mail para alertar os médicos e enfermeiros. “As mensagens agregam para a equipe uma segurança a mais do que o monitoramento humano. É uma ampliação que ajuda a priorizar qual paciente precisa de atenção naquele momento”, explica Zanetti.

Sepse: o que é?

A sepse pode surgir de qualquer tipo de infecção, mas é preciso que exista uma infecção. Não são todas as dores de garganta e infecção de bexiga que vão se tornar uma sepse, mas alguns sinais podem servir de alerta, de acordo com a médica infectologista Viviane Dias.
– Febre é um dos sinais mais comuns de infecção, que pode ser de origem bacteriana ou viral. Se associada aos seguinte sintomas, pode indicar algo mais perigoso:
– Frequência respiratória acima do normal, na qual a pessoa mostre dificuldades e cansaço em respirar;
– Pressão arterial baixa;
Alteração de consciência.
Embora a síndrome possa surgir a qualquer idade, bebês recém-nascidos e idosos estão em maior risco pela dificuldade de reação da defesa do organismo. Da mesma forma, pessoas com doenças que alteram a imunidade, como os imunossuprimidos e quem passou por transplante de medula, têm mais chance de desenvolver uma infecção.

“A cada hora que passa na sepse, aumenta a chance de morte em 8%. Essa é uma frase famosa na medicina que mostra que na sepse, tempo é vida. Se eu não entrar com o tratamento logo no paciente grave, a mortalidade aumenta. O desafio está em justamente identificar quem é grave e é nisso que a Laura ajuda muito”, explica a médica.

O tratamento se dá através do uso de medicamentos antibióticos e soro, quando necessário.
De acordo com dados do Instituto Latino Americano de Sepse, a mortalidade no Brasil para a síndrome e choque é de 46%, em hospitais privados. O sonho da Laura, segundo o criador, é que esse número reduza a 5% até 2020 e, para isso, a ideia é que o robô Laura seja disponibilizado a todos os hospitais filantrópicos no país.