Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Médicos contestam estudo que sugere expelir pedras nos rins andando de montanha-russa

Amanda Milléo
18/09/2018 07:00
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Andar em montanha-russa ajuda na eliminação das pedras nos rins, de acordo com estudo (Foto: Bigstock)

Quem tiver pedras nos rins e quiser eliminá-las de uma maneira, teoricamente, mais “divertida”, pode se aventurar nos últimos assentos de uma montanha-russa. O uso do brinquedo para auxiliar a quebra dos cálculos renais foi demonstrado em estudo divulgado em 2016, e recentemente premiado com um Nobel inusitado.
Em setembro, a pesquisa realizada pelos norte-americanos Marc Mitchell e David Wartinger ganhou um prêmio Nobel das pesquisas mais improváveis. Chamado de Ig Nobel Prize, os pesquisadores foram contemplados na categoria Medicina.
Ao lado deles, na categoria Educação Médica, foram premiados dois pesquisadores japoneses por desenvolverem uma técnica de auto-colonoscopia. E, na categoria de nutrição, pesquisadores do Reino Unido, Zimbábue e Tanzânia receberam o prêmio depois de calcular o consumo calórico de uma dieta canibal entre os humanos. (Spoiler: as calorias adquiridas em uma dieta canibal são significativamente menores que àquelas adquiridas em uma alimentação tradicional).

Montanha-russa nos rins

A ideia de associar a montanha-russa com os cálculos renais veio do cotidiano clínico dos médicos norte-americanos. Eles perceberam no relato de diversos pacientes que os cálculos tendiam a sair com mais facilidade depois de alguns passeios nas montanhas-russas. Em especial, a montanha-russa Big Thunder Mountain Railroad no parque de diversões da Disney, em Orlando, na Flórida, Estados Unidos.
“O número de pedras passadas era suficiente para levantar suspeitas de uma possível conexão entre andar em uma montanha-russa e a saída das pedras nos rins. Um paciente reportou ter eliminado pedras depois de cada uma das três idas consecutivas na montanha-russa. Muitos pacientes relataram terem eliminados as pedras horas depois de saírem do parque de diversões, e todos eles haviam ido na mesma montanha-russa”, explicam os pesquisadores em artigo publicado na revista científica Journal of the American Osteopathic Association.
Mitchell e Wartinger, então, desenvolveram um modelo em 3D em silício dos rins e incluíram pequenas pedras que simulavam os cálculos renais, além de urina. O modelo foi disposto em uma mochila, em uma posição anatomicamente coerente, e colocado contra o banco da montanha-russa na altura dos rins. Foram feitos 20 voltas no brinquedo com a mochila contendo o modelo.
Como resultado, os pesquisadores descobriram que a montanha-russa, por movimentar as pessoas de um lado a outro, para cima e para baixo, conseguiu de fato facilitar a expulsão das pedras no modelo. Mas, a facilidade dependia da localização do cálculo e do tamanho do mesmo. Tanto os cálculos menores quanto os maiores eram eliminados com mais facilidade quando estavam localizados em uma região superior dentro do modelo.
Modelo de rim desenvolvido pelos pesquisadores para o estudo que relaciona o impacto da montanha-russa nas pedras dos rins Foto: Reprodução / Youtube)
Modelo de rim desenvolvido pelos pesquisadores para o estudo que relaciona o impacto da montanha-russa nas pedras dos rins Foto: Reprodução / Youtube)

Sente-se atrás!

Nem toda montanha-russa, ou posição no brinquedo, pode colaborar na eliminação das pedras nos rins. Confira alguns achados dos pesquisadores:
  • Montanha-russa deve ter uma intensidade moderada. Nada maior que 65 km/h.
  • Prefira os brinquedos com quedas, mudanças bruscas de posição e curvas.
  • Sente-se atrás no brinquedo, posição que demonstrou resultados mais efetivos.

Não vale para humanos?

Os próprios pesquisadores, na divulgação dos resultados, alertam que o uso da montanha-russa como tratamento contra os cálculos renais não é indicada aos pacientes humanos, visto que o estudo envolveu apenas a simulação em um modelo em 3D.
“Não é um estudo válido, pois foi feito em um modelo feito em plástico. Além disso, as pedras nos rins podem se deslocar com movimentos, como exercícios físicos, mas para serem eliminadas precisam ter um tamanho inferior a 7mm. Maior que isso, muito provavelmente vão obstruir a passagem da urina para o ureter, provocando uma dilatação do rim”, explica Sandra Mara Oliver Martins Aguilar, médica nefrologista e membro da Câmara Técnica do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR).
Para João Luiz Carneiro, clínico geral e médico nefrologista do hospital Evangélico, outro aspecto que não foi considerado pelos pesquisadores está relacionado à dor do paciente no momento de eliminação dos cálculos renais.
“Me preocupa mais quem está na Disney e vai andar na montanha-russa e vai ter uma cólica renal porque a pedra está se deslocando. Você não tem dor quando a pedra está no rim, mas quando ela se desloca. Não dá para receitar ‘ande de montanha-russa três vezes por dia até eliminar a pedra’. Há outros tipos de tratamento, mais indicados”, explica o especialista.

Tratamento de acordo com o tamanho 

Os cálculos renais com tamanhos menores que 7mm, normalmente,  são eliminados espontaneamente pela urina ou com a ajuda de alguma medicação. O medicamento auxilia a passagem do cálculo do ureter para a bexiga, onde a eliminação ocorre de forma mais fácil, com a força da expulsão da própria urina. Essa é chamada de eliminação clínica.
Caso o tamanho dos cálculos seja maior, e houver um impacto nos ureteres — passagens da urina entre os rins e a bexiga — a retirada pode ser feita via endoscópica, através da cistoscopia. Outras opções são as vias cirúrgicas de vídeo ou aberta.
Mas, se a pedra no rim for muito grande, pode ser indicada a litotripsia extracorpórea. Ondas de ultrassom, e não laser, fazem com que os cálculos diminuam de tamanho.

“Montanha-russa não é lugar para tratar cálculo renal. Os pacientes precisam ter isso bem claro”, reforça Sandra Mara Oliver Martins Aguilar, médica nefrologista.

Previna-se

Das condições  relacionadas ao surgimento dos cálculos renais, fique atento aos seguintes fatores, de acordo com orientações de Sandra Aguilar e João Luiz Carneiro, médicos nefrologistas:
Alimentação – Reduza o consumo de alimentos ricos em sódio e hiperproteícos.
Tome água – A ingesta de 1,5 litro de água diminui 60% da incidência dos cálculos renais.
Atenção familiar – Redobre os cuidados com os rins caso tenha histórico de cálculos renais na família. A condição tem uma predisposição genética.
Ácido úrico – Fique atento aos níveis de ácido úrico no sangue. Alterações também podem indicar maior predisposição à formação dos cálculos.
Obesidade – Faça exercícios físicos com frequência e evite o sobrepeso/obesidade que podem impactar na formação das pedras nos rins.
Perfil metabólico – Se for diagnosticada com pedras nos rins, faça um estudo metabólico para averiguar quais fatores podem estar afetando na formação dos cálculos. Isso ajudará a prevenir o aumento dos cálculos já presentes e a formação de novos.
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