Saúde e Bem-Estar

Gina Colata, New York Times,

Não se entusiasme muito com os resultados do seu teste genético, eles podem mudar

Gina Colata, New York Times,
11/11/2018 11:00
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O resultado é que o teste genético que você fez há alguns anos pode estar completamente diferente hoje. Foto: Bigstock

Embora o genoma de uma pessoa não mude, a pesquisa que mostra a relação entre certos trechos específicos de DNA e doenças está em evolução constante. Geneticistas e laboratórios recebem informações novas o tempo todo, que os levam a reavaliar as mutações genéticas.
Aquela que é considerada benigna hoje pode ser vista como perigosa amanhã, e vice-versa, mas o fato é que não há um jeito “certo” e eficiente de levar essas novas informações a médicos e pacientes.
O resultado é que o teste genético que você fez há alguns anos pode estar completamente diferente hoje.
O problema afeta uma minoria dos pacientes, em geral pessoas com mutações raras. Já as causadoras de doenças mais comuns, como as que predispõem ao câncer de mama ou cólon, são tão bem estudadas que não há dúvida quanto ao seu significado.

Em um estudo recente, pesquisadores da empresa de diagnóstico Myriad Genetics analisaram dados de 1,45 milhão de pacientes que fizeram testes genéticos entre 2006 a 2016 para ver se os resultados originais continuavam válidos.

Desses, o laboratório teve que refazer os relatórios para quase 60 mil, o que significa que as conclusões antigas tinham sido substituídas por dados mais novos.
Mas muitos pacientes com mutações reclassificadas continuam no escuro. “O sistema é completamente caótico”, admite a Dra. Sharon E. Plon, geneticista clínica da Faculdade de Medicina Baylor.
Segundo ela, não há uma forma sistemática para contar aos pacientes e médicos que uma mutação que já foi considerada inofensiva hoje aponta para um risco à saúde, ou algo que era considerado perigoso hoje é tido como benigno.

Interpretações mudam com o tempo

“Alguns laboratórios relatam os resultados apenas uma vez; só reavaliam as interpretações de testes de dez anos atrás se os médicos pedirem”, diz a Dra. Theodora Ross, diretora do programa de genética do câncer do Centro Médico Southwestern da Universidade do Texas.
E acrescenta: “Só que eles raramente o fazem”.
Normalmente, um médico recomenda o teste genético para uma pessoa com histórico familiar forte de ataques cardíacos, por exemplo, derrames ou câncer. Uma amostra do sangue ou da saliva do paciente é então enviada a um laboratório, onde o DNA é analisado para saber se há alguma alteração rara.
Nem todas são prejudiciais. O laboratório compara as mutações às contidas em estudos científicos que causam a doença.
Sorologia para HIV, sífilis e hepatite são alguns dos exames universais. Foto: Antônio More/Gazeta do Povo.
Sorologia para HIV, sífilis e hepatite são alguns dos exames universais. Foto: Antônio More/Gazeta do Povo.
Alguns pacientes são informados de que têm uma mutação insignificante; outros descobrem que têm “uma variação de significado desconhecido” em um gene suspeito, ou seja, ninguém sabe muito bem o que é.
E há aqueles que têm uma mutação considerada perigosa, que indica que há um risco muito alto de desenvolvimento de câncer, doença cardíaca ou outros males. Para esses, esse resultado pode significar exames constantes e alterar uma série de decisões de vida, incluindo ter ou não filhos.
A reclassificação é problema especialmente para membros de minorias étnicas e raciais, populações cujos genes não foram tão bem estudados quanto os dos brancos. Pode ser difícil saber o que uma variação no DNA significa para esses pacientes.

Mutações genéticas

Graças ao banco de dados federal ClinVar, os laboratórios podem compartilhar publicamente dados sobre mutações genéticas e o significado que acreditam poder ter, mas algumas empresas como a Myriad, que hospedam enormes bases de dados sobre mutações genéticas, não trabalham em parceria com a instituição.
Mesmo a terminologia para variantes de DNA nem sempre é a mesma; laboratórios diferentes têm esquemas de nomenclatura diferentes.
Os pacientes que buscam informações por conta própria “não saberiam como iniciar uma busca no ClinVar”, revela a Dra. Heidi Rehm, geneticista clínica do Hospital Geral de Massachusetts e do Instituto Broad.
Segundo Ross, além do problema de terminologia, há a questão de discordância entre os laboratórios.
“Quando um dos grandes informa uma reclassificação e os outros não, e você tem membros da família fazendo testes em laboratórios diferentes, temos interpretações diversas dos mesmos dados. Como lidar com isso? O que dizer ao paciente?”, questiona Ross.
Novelas e celebridades em alta influenciam a escolha do nome. Ferramenta do IBGE mostra os mais escolhidos por época e região. Foto: Bigstock
Novelas e celebridades em alta influenciam a escolha do nome. Ferramenta do IBGE mostra os mais escolhidos por época e região. Foto: Bigstock
Laboratórios como o Myriad muitas vezes notificam um médico que solicitou o teste genético quando os resultados são reclassificados, mas mesmo nesses casos, o profissional pode não ter como chegar no paciente e contar.
“Com o passar dos anos, eu mudei de consultório, a lista de pacientes, de casa. Recebi atualizações de relatórios de gente que não vive mais em Houston e não tenho ideia de onde estejam agora”, admite Plon.
Alguns geneticistas dizem que quem se prejudica com os resultados atualizados são aqueles pacientes com alterações genéticas raras porque terão que entrar em contato com o médico ou terapeutas genéticos anualmente para saber se houve reclassificação.
E ela nem sempre é uma boa notícia.

Futuro incerto

O Dr. Jason Park, diretor clínico do laboratório de diagnósticos avançados do Children’s Medical Center, em Dallas, conta que chegou a dizer aos pais de crianças com epilepsia grave que uma mutação genética que se pensava ser a causa da doença, na verdade, era uma mudança benigna.
Mas a reclassificação pode não alterar o tratamento, pois muitas vezes não há terapia específica para uma mutação que tudo leva a crer que cause epilepsia severa – só que agora os pais que achavam ter descoberto a causa da doença do filho são informados de que a causa continua desconhecida.
“Para certas famílias, isso pode ser uma questão social crucial. Há grupos de apoio criados para atender pacientes com mutação em certos genes – e, de repente, a pessoa não faz mais parte dele”, informa Park.
Porém, para alguns como Ricky Garrison, bombeiro de 61 anos que mora em Denton, no Texas, a reclassificação pode ser salvadora.
Ricky Garrison Foto:
Ricky Garrison Foto:
Ele foi ver um médico, há alguns anos, por conta do crescimento de uma verruga no nariz, mas o laboratório que examinou a biópsia do tecido notou algumas mudanças incomuns em proteínas ligadas à síndrome de Lynch, transtorno que aumenta consideravelmente o risco de desenvolvimento de diversos tipos de câncer.
Foi encaminhado para Ross e sua equipe, que enviou seu sangue para o Invitae, para exames de mutações nos genes de Lynch.
O resultado revelou que Garrison tinha uma “variante de significado desconhecido”. E o diagnóstico foi confuso: “Síndrome semelhante à de Lynch”, ou seja, talvez ele tivesse, talvez não.
Os médicos recomendaram que realizasse colonoscopia, endoscopia e exame de pele anuais, mas já que seu caso não era de mutação definitivamente ligada à síndrome de Lynch, seus cinco filhos não fizeram testes para ver se tinham herdado a doença.
“Nenhum laboratório sensato aplicaria testes em uma família inteira por causa de uma variação de significado desconhecido”, exclama Ross. Em vez disso, os familiares foram informados de que seria melhor imaginar que tinham Síndrome de Lynch e realizar exames rotineiros.
Em junho, no entanto, o laboratório entrou em contato com Ross para lhe dar outra notícia: a mutação de Garrison já não era de “significado desconhecido”. A pesquisa em outros pacientes mostrara a relação com a síndrome de Lynch.
Aí tudo mudou. Seus filhos e parentes diretos tiveram que fazer exames para saber se tinham a mutação e ele tem que ser monitorado constantemente.
Por conta disso, mudou seus planos de se aposentar no ano que vem, pois se preocupa com o custo do plano de saúde para alguém com síndrome de Lynch. Vai continuar trabalhando como bombeiro, que lhe garante um seguro, e esperar os 65 anos para se aposentar e obter o serviço federal.
“É bem capaz de, no fim, eu desenvolver um câncer, mas justamente por causa disso, quero mais é viver bem os próximos anos”, conclui.
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