Saúde e Bem-Estar

Larissa Jedyn com a colaboração de Ricardo Ampudia Talachia

Cabeças verdes

Larissa Jedyn com a colaboração de Ricardo Ampudia Talachia
05/08/2007 21:00
“Não sou alienígena, não sou verde e nem todo espirro que eu dou é por eu ser vegetariana”, avisa a psicóloga Rosana Vicente Gnipper, 50 anos, presidente do movimento S.O.S Bicho. Ela, que está há 18 anos sem comer carne – de criança não gostava de carne com “gosto de carne” –, virou vegetariana por causa do marido e orientou os filhos para seguirem o mesmo caminho. Segundo ela, essa dieta não tem tantos senões quanto os onívoros apontam. Desde, é claro, que o vegetariano em questão não resolva viver só de macarrão, pão, batata frita e musse de chocolate. “Você tem que descobrir o mundo de grãos, cereais, verduras e frutas que existe. Eu tirei o bife mas ganhei muitos outros alimentos. Também não sou neurótica com isso: não vivo pensando no que vou comer. Mas quando como, faço isso da melhor forma possível.”
Segundo o nutricionista Daniel Boarim, professor de Nutrição das Faculdades Integradas Espírita e autor de diversos livros sobre alimentação, a questão, tanto para onívoros quanto para vegetarianos, é saber equilibrar a dieta para que não falte nenhum nutriente para o organismo. “O grande problema é que sobram fatores de agressão e alimentos ruins e faltam elementos essenciais. É isso que acontece com a dieta das pessoas, independente da linha que elas adotam. O que faz mal é o desequilíbrio”, afirma. “Se a dieta for só vegetariana, e não naturista, corre riscos de ser desequilibrada. A pessoa que não come carne e não faz a reposição correta de proteínas com cereais integrais e alimentos crus, por exemplo, sofrerá com a falta desse nutriente”, diz Boarim, que é vegetariano há 38 anos. Ele se recusa, no entanto, a generalizar e “receitar” o vegetarianismo a todos: “É muito pessoal. O importante é fazer esse balanceamento e, se exagerar demais num dia, compensa no outro, consumindo cada vez mais produtos naturais. A saúde vai agradecer”. Thaise Navolar, nutricionista e vegetariana há nove anos, comenta que, num primeiro momento, os vegetarianos tendem a substituir a carne por proteínas à base de soja – que já se sabe hoje não são tão completas assim. “Com o tempo, percebem que não há que se encontrar um substituto para a carne, mas fazer uma alimentação variada e sem excessos”, diz.
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Você é o que você come
Pegue como base a dieta do brasileiro médio: no café da manhã, pão com manteiga e café com leite; no almoço, arroz, feijão, batata frita e bife acebolado; no jantar, repetição do almoço ou um lanche, com mais pão, queijo e presunto. Tirando uma folhinha de alface, uma rodela de tomate e um suco de laranja, a alimentação se revela rica em gordura e carboidrato. “A melhor associação dessa dieta é a do arroz e do feijão que oferecem tipos diferentes de aminoácidos essenciais”, diz a nutricionista Thaisa Navolar. Para outra nutricionista, a professora do UnicenP Gisele Pontaroli Raymundo, o problema é o excesso do consumo de carne e gorduras. O consumo diário recomendado é de 80 g de carne. Segundo ela, nenhum outro alimento tem padrão igual de proteína da carne e, por isso, defende o seu consumo. “É possível ser vegetariano, o corpo se adapta, desde que as suplementações sejam feitas. Mas a questão é comer com variedade e moderação”, diz ela.
No mais, o nutricionista Daniel Boarim enterra mitos como o de que vegetarianos sofrem mais de anemia que os onívoros – “os números comprovam que os casos de anemia são iguais entre os que comem ou não carne”, ainda que as proteínas de origem animal sejam mais completas e o ferro da carne seja do tipo heme, melhor aproveitado pelo organismo.
Os vegetarianos saem em vantagem quando se trata de doenças cardiovasculares (provocadas pela ingestão excessiva de gordura animal), já que essa dieta é mais pobre em gordura. Para proteger o coração, ele explica que é necessário reduzir o consumo de proteínas animais e aumentar a quantidade de alimentos antioxidantes, como vitamina E (grãos integrais e oleaginosas), vitamina C (frutas cítricas, pimentão) e selênio (castanha-do-pará, cebola e cereais integrais). Boarim faz uma ressalva e indica principalmente aos veganos que é importante verificar se não há deficiência de vitamina B12, presente apenas em alimentos de origem animal. Se necessário pode ser feita a suplementação do componente. (LJ)
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Começar de novo
O pai fazendeiro bem que tenta, mas a empresária Rochele Borelli, 25 anos, jura que não vai ceder aos apelos, nem se vierem acompanhados do cheirinho de uma picanha na brasa. “O cheiro é uma delícia. Mas eu não como. Meu pai vem com a história de que isso não existe, de que eu tenho que comer, mas eu resisto”, conta ela, digamos, vegetariana sazonal. Ficou dois anos sem comer carne, voltou e, há um, parou novamente. “Agora assumi que, se eu quero qualidade de vida, tenho que manter meu organismo limpo. O primeiro passo foi visando a saúde, mas hoje há ainda a questão ideológica: se gosto da natureza, dos animais, não há como comê-los”, comenta.
A adaptação à dieta vegetariana não foi difícil. Aos poucos, o espaço da carne foi sendo preenchido por doses maiores de salada, grãos, sementes e frutas. “Foi fácil de me virar. Eu como de duas em duas horas uma fruta ou alguma coisa com queijo. E se vou à casa dos amigos, a pizza vegetariana é sempre uma alternativa boa”, afirma.
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Será que vale a pena?
Foi com um bife no prato, de frente para a televisão, que o gerente comercial Ricardo Laurino, 34 anos, hoje membro da Sociedade Vegetariana Brasileira, parou de comer carne de vez. Isso há 17 anos. “Estava assistindo a uma reportagem sobre o aumento da produção de carne e a imagem era de uma boiada. Olhei para o prato e nunca mais consegui comer”, lembra. Hoje, se a vontade aparece, o vegano explica que pensa no impulso de xingar ou bater em alguém no trânsito. “O raciocínio é o de que não vale a pena.” Isso tanto em relação ao respeito ao outro (“mesmo que o outro seja um bicho”), ao impacto provocado pelo consumo de carne na saúde. “Ou você já ouviu alguém falar ‘coma menos maçã porque faz mal’?”
Ricardo entende que a opção seja pessoal, mas ainda assim retruca: “Beber e dirigir também é uma opção, mas tem impacto nos outros”. Ele tenta lidar com a situação com bom humor e diz que entende que não exista um lado bom e outro mau – ainda que considere sua opção a melhor. “Convivo numa boa com ‘carnívoros’, vou a festas, mas como o que eu posso. Já vou avisando pra não trazer o bife porque prefiro a salada. Mas se ainda assim alguém estranha, digo que assim sobra mais carne para quem gosta”, brinca.
A psicóloga Rosana Vicente Gnipper não entende porque os vegetarianos incomodam tanto. “Temos obrigação de ser saudáveis e bem humorados. Se não formos assim, a ‘culpa’ é por não comermos carne”, diz ela, reclamando ainda da dificuldade de fazer compras em padarias e comer em buffets: “O que me sobra numa padaria que não seja enroladinho de queijo e presunto, esfira de carne e salgadinho de frango com catupiry? Esses lugares precisam de uma consultoria ou vão continuar tendo salpicão de frango, salada com bacon por cima, massa com presunto, sem falar na carne mesmo…” O filho de Rosana, Eduardo, 20 anos, comeu carne só em sopinhas até os dois anos. Ele diz que já experimentou, achou gostoso, mas a consciência o impede de comer. “A opção é minha, mas não sou panfletário”, diz ele. (LJ)
Serviço: Daniel Boarim, nutricionista, escritor e professor da Faculdades Integradas Espírita, fone (41) 3338-6125./ Gisele Pontaroli Raymundo, nutricionista e professora do UnicenP. A Clínica de Nutrição da instituição oferece consultas gratuitas. Informações pelo fone (41) 3317-3167/ Rosana Vicente Gnipper, presidente da ONG S.O.S Bicho, fone (41) 9676-4656./ Sociedade Vegetariana Brasileira, site www.svb.org/ Thaisa Santos Navolar, nutricionista, e-mail semente.assessoria@yahoo.com.br. Ela oferece curso de Consciência Alimentar em três módulos.
larissa@gazetadopovo.com.br