Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Novas armas contra as doenças crônicas

Amanda Milléo
30/05/2015 00:41
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Coração, rins, pâncreas e pulmão são os alvos das mais prevalentes doenças no mundo, muitas delas crônicas, que exigem atenção por toda a vida. Diabete, colesterol alto, insuficiência cardíaca, hepatite e, ainda, cânceres e depressão têm atingido cada vez mais gente, pelo aumento da longevidade e o não abandono dos maus hábitos. Por este motivo, despontam entre as apostas para os fármacos mais vendidos até o fim desta década tratamentos para essas condições, diz o relatório anual Drugs to Watch 2015, da empresa Thomson Reuters.
Em destaque no ranking farmacológico está o nivolumab, estrela no tratamento contra o melanoma, câncer mais grave pelo alto risco de metástase, segundo dados do Instituto nacional do Câncer (Inca). O combate ao colesterol tem dois representantes entre os 11 medicamentos com previsão de mais de US$ 6,2 bilhões em vendas: alirocumab, que está em segundo lugar, e o evolocumab, em sétimo. Os medicamentos poderão servir aos dois terços dos brasileiros com colesterol alto, segundo o Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa Brasil), divulgado em março pelo Ministério da Saúde.
Principal resultado de uma hipertensão descontrolada, os blockbusters para o tratamento da insuficiência cardíaca crônica estão em terceiro lugar, o sacubitril e valsartan. O câncer de mama não fica longe na lista comercial, com o palbociclib em quarto lugar, e um dos principais preventivos do câncer do colo do útero, a vacina contra o HPV através do gardasil 9, na oitava posição. Há ainda destaque no ranking para os fármacos contra fibrose cística, hepatite C, esquizofrenia e depressão, além de psoríase, artrite psoriática e diabete.
De acordo com Charlotte Jago, editora sênior na Thomson Reuters e responsável pela pesquisa, o tamanho do mercado farmacológico e as oportunidades de vendas são fatores importantes para montar essa lista. “As projeções de vendas são baseadas em dados da empresa de inteligência competitiva Cortellis, que combina informações de indústrias farmacêuticas com atualizações diárias de pesquisas dos medicamentos e encontros globais da comunidade médica”, explica Charlotte.
Tratamentos e diagnósticos
Conheça algumas das novidades e avanços que pesquisadores e indústrias farmacêuticas alcançaram e as perspectivas para tratamentos, diagnósticos e mesmo a cura das principais doenças crônicas.
Colesterol alto, um reforço às estatinas
Eles são conhecidos nos tratamentos contra o câncer, e agora serão também usados na redução de até 80% do colesterol ruim. Para os mais de 65% dos brasileiros com colesterol alto, especialmente os que não conseguem mantê-lo controlado apenas com as estatinas, os medicamentos derivados de células humanas, conhecidos por anticorpos monoclonais, poderão fazer a diferença.
De acordo com o cardiologista do Hospital Angelina Caron, e pesquisador participante de três estudos desses anticorpos, Dalton Précoma, os novos remédios poderão chegar ao público em poucos anos. Ao todo, os estudos envolvem mais de 25 mil pacientes, divididos em 40 países. No Brasil, cerca de 30 centros participam, incluindo o Hospital Angelina Caron, a Santa Casa e o Hospital Evangélico, em Curitiba. “As pesquisas mostraram que esses medicamentos também diminuíram a mortalidade cardiovascular”, diz o cardiologista professor da PUCPR e do Hospital Marcelino Champagnat, José Rocha Faria Neto, pesquisador participante do estudo.
Quebrando o excesso
Substância gordurosa, presente em todas as células, o colesterol é retirado da circulação sanguínea por meio de transportadores do fígado. Quanto mais transportadores, menores os níveis de colesterol. Há uma proteína no organismo que se liga a esses transportadores e os degradam, deixando o colesterol solto – aumentando os níveis no sangue. Os pesquisadores perceberam que algumas pessoas fabricavam poucas proteínas degradantes, devido aos seus anticorpos. A partir de quatro genes desses anticorpos, formaram os anticorpos monoclonais, grande novidade no controle do colesterol ruim.
Stents na aorta contra a estenose
O sangue que vem dos pulmões entra no coração pelo átrio esquerdo, desce ao ventrículo e é lançado pela válvula da aorta para o restante do corpo. Com o passar dos anos, forma-se uma calcificação nessa válvula, que diminui a velocidade com que o sangue sai, causando a estenose da válvula aórtica – prevalente nos idosos. O que antes exigia uma cirurgia de grande porte para colocação de próteses, agora é feito usando um cateter e um stent. “A mortalidade era alta porque não havia condições clínicas para fazer a cirurgia nos pacientes normalmente idosos. Há uns quatro anos a técnica de implantação da válvula aórtica transcateter (TAVI) tem sido incorporada e melhorou as expectativas de vida”, explica o professor titular de cardiologia da PUCPR e médico cardiologista do Hospital Marcelino Champagnat, José Rocha Faria Neto.
Quatro em um
São muitos os comprimidos que fazem parte do tratamento da hipertensão, o que gera falhas e abandono dos pacientes. Uma novidade farmacológica que tenta facilitar a adesão dos hipertensos é a combinação fixa de medicamentos. Unir até quatro remédios em um único comprimido reduz o esquecimento, aumenta o controle da pressão e diminui o risco de derrames. “Existem estudos de combinar medicamentos não apenas para hipertensão, mas também na prevenção de eventos cardiovasculares, como o enfarto. Um dos exemplos é a combinação do ácido acetilsalicílico, estatina, um inibidor de controle da pressão e coração e um betabloqueador. Mas ainda são estudos”, diz Luiz Aparecido Bortolotto, diretor da unidade clínica de hipertensão do Incor e professor de cardiologia da Faculdade de Medicina da USP.
Bioabsorvíveis
Os antigos stents, metálicos e residentes do organismo humano por muitos anos, mudaram. Desde ano passado, as artérias podem ser desobstruídas das placas de gordura por stents que “desaparecem”, ou bioabsorvíveis. Após 18 meses, as estruturas são expelidas pelo organismo pela urina, como água e dióxido de carbono. Uma das vantagens, segundo o cardiologista José Neto, é a redução do risco de trombose (coagulação sanguínea) dentro do stent.
Rins no combate à hipertensão
Poucos se lembram dos rins quando descobrem ser hipertensos, mas a influência desses órgãos na pressão arterial levou pesquisadores a desenvolverem a técnica de denervação renal. Um cateter é introduzido até as artérias renais, que libera energia e gera uma lesão nas fibras nervosas. “Nos hipertensos, o cérebro manda uma mensagem errada aos rins, para que aumentem a pressão por vasoconstrição e retenção de água. Quebrando essa comunicação, a pressão se mantém”, explica o cardiologista dos hospitais de Clínicas e Mãe de Deus, Alexandre do Canto Zago, no Rio Grande do Sul.
Embora seja uma técnica nova e com boas expectativas, o último grande estudo mostrou que, comparado ao procedimento similar, que não enviava energia às fibras nervosas, os resultados eram parecidos. “Na Alemanha a técnica continua em alta e é realizada de rotina. No Brasil e nos Estados Unidos, houve uma queda na crença do método, mas novos estudos indicam o uso em outras áreas da cardiologia, como na insuficiência cardíaca e arritmia”, diz Zago.
Diabete, mudança de paradigma
O pâncreas sempre foi o principal culpado no diagnóstico de diabete, e a maioria dos medicamentos tenta exigir o máximo dele. Nos últimos anos, os paradigmas médicos mudaram. Em vez de se assustarem com a glicose na urina do paciente, indicativo de diabete, os médicos perceberam que essa seria a melhor solução para reduzir peso, sem torturar o pâncreas.
No rim, a proteína SGLT2 não deixa que a glicose vá embora com o xixi dos pacientes. Esse açúcar volta à corrente sanguínea e exige mais insulina do pâncreas. Uma nova classe de medicamentos, conhecidos como inibidores do SGLT2, permite que, em média, 78g de glicose vá embora por dia, reduzindo cerca de 2 kg ao longo do tratamento, sem comprometer os rins e nem as taxas de açúcar necessárias para o paciente.
“A novidade é, a princípio, para o diabético tipo 2, mas o mecanismo de reabsorção também acontece no tipo 1, e um medicamento para eles está sendo estudado. A única exigência é a função plena do rim”, afirma a endocrinologista do serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas da UFPR, Rosângela Réa.
Diagnóstico precoce
A adiponectina é um hormônio relacionado à diabete tipo 2, mas pouco falado entre os médicos devido aos altos custos de análise da substância. Quando a pessoa apresenta poucos níveis desse hormônio, a regulação da glicemia no organismo é afetada, gerando a doença. Pesquisadores da USP da área de nanomedicina descobriram que, ao detectar esse hormônio, seria possível diagnosticar a doença precocemente e desenvolveram um sistema simples, que futuramente poderá ser comprado na farmácia, segundo o coordenador do grupo da pesquisa, Valtencir Zucolotto.
Diretrizes alteradas
Em março desse ano, a Sociedade Brasileira de Diabetes divulgou novas diretrizes para o tratamento da doença, e uma das principais é a determinação de datas limites para que o tratamento dê resultados. “Se depois de 30 dias o paciente não atingir as metas, o médico é orientado a passar para a etapa seguinte, podendo chegar a até três medicamentos”, diz o coordenador do departamento de Novas Tecnologias da SBD, Márcio Krakauer.
Doença autoimune, lutando por dentro
“Se não pode vencê-las, tente entendê-las” virou o lema dos pesquisadores de doenças autoimunes. Grandes novidades na área, as medicações biológicas tentam encontrar as moléculas responsáveis pela exacerbação da resposta imune e reduzir sua atuação. Este novo tratamento não deixa o paciente imunossuprimido, como acontece com o uso de corticoesteroides – principal medicamento usado até agora.
“Quando se suprime demais o sistema imunológico para tratar a doença, aumenta-se o risco de infecções oportunistas naquele paciente. Se o medicamento é menos imunossupressor e mais modulador, esse risco diminui”, explica o imunologista, professor de Imunologia da Universidade Positivo e pesquisador do HC-UFPR na área de autoimunidade, Renato Nisihara.
No fim do ano passado, a revista científica Nature divulgou um estudo de uma dessas moléculas responsáveis pelas doenças autoimunes: NAD+, no tratamento de uma forma pré-clínica da esclerose múltipla. “Fomos capazes de bloquear o avanço da doença e revertê-la. NAD+ pode ser a molécula universal para doenças autoimunes ou até mesmo para qualquer contexto de inflamação crônica ou aguda”, afirma um dos autores responsáveis, Abdallah ElKhal, da Brigham and Women’s Hospital, dos Estados Unidos, em entrevista por e-mail.
Qualidade de vida
Descobrir a doença precocemente também têm instigado os pesquisadores, com o desenvolvimento de marcadores biológicos e genéticos. “Os biomarcadores poderão ajudar na medicina de precisão, dando suporte para o médico informar melhor o prognóstico do paciente. Há ainda medicamentos biológicos derivados de venenos de cobra, vespa, aranha e lagartos pesquisados no Brasil com bons resultados”, explica o imunologista clínico e diretor de pesquisas na área do Hospital Albert Einstein, Luiz Vicente Rizzo.
Asma, cura à vista?
A asma é uma inflamação das vias aéreas, no pulmão. Bloqueando essa inflamação, bloqueiam-se também os sintomas da doença. Essa é a lógica dos novos medicamentos produzidos a partir de moléculas biológicas, como os receptores sensíveis ao cálcio (CaSR), divulgado pelo Journal Science Translational Medicine no início do ano. Embora seja ainda apenas um experimento em modelo animal, esse mecanismo é uma promessa futura para o tratamento da doença, especialmente em pacientes que não respondem bem aos medicamentos tradicionais.
“Pessoas com sensibilidade exacerbada, ou que estão expostas a poluentes ambientais ou mesmo quem têm altos níveis de eosinófilos no sangue (que indica uma reação inflamatória do organismo) podem fazer uso desse medicamento no futuro”, afirma uma das pesquisadoras do CaSR, a britânica Daniela Riccardi, professora de fisiologia da Escola de Biociências da Universidade de Cardiff, no Reino Unido.
Novidades mais recentes e próximas das farmácias são os broncodilatadores com uma duração mais longa. De acordo com a alergista e imunologista Tsukiyo Obu Kamoi, as versões do medicamento que existem até o momento são de quatro a no máximo 12 horas de duração, e o remédio de 24 horas melhoraria a qualidade de vida dos pacientes.
Monoclonais
Os anticorpos monoclonais também invadiram os tratamentos contra a asma. O mais conhecido e encontrado atualmente são os anticorpos anti-IgE, ou o Omalizumab, que reduzem a resposta inflamatória, diminuindo os sintomas. Pesquisas recentes indicam o uso desse medicamento contra outras doenças, como rinite alérgica, asma não alérgica e urticária crônica espontânea.