Saúde e Bem-Estar

RBS, por Camila Kosachenco 

Suplementos alimentares: quando tomá-los é prejudicial à saúde

RBS, por Camila Kosachenco 
07/03/2019 12:02
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O Food and Drug Administration (FDA, órgão equivalente à Agência Nacional de Vigilância Sanitária no Brasil) está discutindo a eficácia desses suplementos. Foto: Bigstock

Você sabe qual é a maior fonte de vitaminas do mundo? De acordo com alguns médicos, a resposta é: a urina dos americanos. Apesar de ser uma brincadeira, a afirmação tem lá seu fundo de verdade. Recentemente, o Food and Drug Administration (FDA, órgão equivalente à Agência Nacional de Vigilância Sanitária no Brasil) publicou uma declaração na qual afirma que vitaminas, minerais ou ervas viraram parte da rotina dos norteamericanos a ponto de três em cada quatro indivíduos utilizarem esses produtos. Entre os mais velhos, esse número sobe para quatro em cada cinco. E nem as crianças escapam: uma em cada três recebem suplementos dos pais.
Para acompanhar de perto esse mercado, que movimenta cifras bilionárias e só cresce em vendas – mesmo com estudos que colocam em xeque a efetividade dessas substâncias –, o FDA anunciou um novo plano para controle de regulação e supervisão do setor, que não tem uma atualização há 25 anos. Esse crescimento desmedido provocado por uma demanda sedenta pelas promessas em cápsulas resultou em pelo menos 23 mil visitas às emergências por ano nos Estados Unidos, conforme levantamento publicado em 2015 no New England Journal of Medicine.  Os relatos estavam, geralmente, associados a suplementos para perda de peso e ganho de energia.

Para além dos efeitos colaterais, o uso dessas substâncias ainda esbarra na comprovação científica: poucos têm algum estudo conclusivo que prove sua eficácia. Pelo contrário. Boa parte das pesquisas derruba os argumentos de mercado desses suplementos.

“Sabemos muito dos benefícios fisiológicos dessas vitaminas, pois elas participam como cofatores para todas as reações químicas. E é nesse sentido que as pessoas extrapolam: acreditam que, se tomarem a mais, terão uma saúde melhor. No entanto, esse excesso não tem base sustentada cientificamente. O que existe, sim, são indicações claras para casos específicos”, afirma Carolina Leães Rech, chefe do Serviço de Endocrinologia da Santa Casa de Porto Alegre.
Em maio de 2018,por exemplo, um estudo publicado em um periódico do American College of Cardiology garantiu que os suplementos mais comuns não apresentaram nem vantagem, nem risco em relação à prevenção de doenças cardíacas, acidente vascular cerebral (AVC) ou morte prematura. Conduzido por pesquisadores do St.Michaels Hospital e da Universidade de Toronto, ambos do Canadá, o levantamento fez uma revisão sistemática dos dados publicados em inglês entre janeiro de 2012 e outubro de 2017 sobre as vitaminas A,B1,B2,B3 (niacina),B6,B9 (ácido fólico),C,D e E, além de betacaroteno, cálcio, ferro, zinco, magnésio e selênio.
“Nosso estudo mostrou que, se você quiser usar esses suplementos, não há prejuízos, mas também não há nenhum benefício aparente”, disse, ao site do hospital, David Jenkins, líder da pesquisa.

Polêmica nos EUA com vitamina D

Mas o estudo descobriu que ácido fólico sozinho e vitaminas B com ácido fólico podem reduzir as doenças do coração e o AVC. Por outro lado, a niacina mostrou pequenos efeitos e aumentou o risco de morte por qualquer causa.
Para Proteste, comprar suplementos de Vitamina C é "jogar dinheiro fora". Foto: Bigstock
Para Proteste, comprar suplementos de Vitamina C é "jogar dinheiro fora". Foto: Bigstock

“Na falta de dados positivos, tirando o potencial do ácido fólico, é mais recomendado confiar em uma dieta saudável para obter vitaminas e minerais necessários”,  concluiu Jenkins.

Em agosto do ano passado, uma polêmica envolvendo suplementos veio à tona. Uma reportagem do jornal The New York Times acusou o endocrinologista Michael Holick, da Universidade de Boston, maior entusiasta da vitamina D, de receber dinheiro da indústria que produz a substância. Conforme a publicação, as vendas dessa vitamina chegaram aos US$ 936 milhões em 2017, impulsionadas pelas diretrizes de Holick. Um crescimento de 900% em relação a 2007.
Nem mesmo a queridinha da prevenção de resfriados saiu ilesa. O consumo de vitamina C, embora associado a uma redução nos sintomas da doença, não é vantajoso quando se fala em megadoses. Estudo publicado em 2013 conclui que a suplementação terapêutica não se mostrou efetiva. No entanto, ela pode ser importante para pessoas que praticam exercícios extenuantes ou vivem em ambientes muito frios, disse o levantamento.

“Se estiver bem de saúde, evite”, aconselha nutrólogo

O xis da questão é que comprovar a eficácia desses produtos é muito difícil, avalia o cardiologista Fernando Lucchese, da Santa Casa de Porto Alegre. Primeiro, é preciso reunir milhares de pacientes para os testes, número que pode chegar aos 40 mil. Segundo, é necessário bancar um acompanhamento desse povo todo por extensos 10 anos.
“Nenhum fabricante vai colocar grana para, no fim, correr o risco de ter um resultado pífio ou contrário ao esperado – diz o médico, ele próprio um adepto da vitamina D.
Acontece que, mesmo com pesquisas inconclusivas, uma grande parcela da população segue investindo dinheiro nesses produtos, categorizados pela Anvisa como suplementos alimentares. Os mais populares são os multivitamínicos, que prometem abarcar vitaminas minerais de A a Z.

” Só que as dosagens para uma pessoa que precisa são quase nulas. É ridículo. Por isso são classificadas como alimentos, não medicamentos. Se a pessoa tem uma doença diagnosticada, bom, então, algumas vitaminas e sais minerais que podem estar afetando na enfermidade podem ser prescritas. Mas a conclusão do meio científico é: diga não à suplementação para indivíduos sem doença”, enfatiza o médico nutrólogo Paulo Henkin, da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).

Um editorial publicado em dezembro de 2013 no periódico Annals of Internal Medicine já chama atenção só pelo título: “Chega é chega: pare de gastar dinheiro em suplementos vitamínicos e minerais”, em tradução livre do inglês. O texto analisou três artigos diferentes e concluiu que tanto essas quanto outras pesquisas prévias não indicaram benefícios substanciais para a saúde no uso de multivitamínicos. Além disso, o texto alerta para o consumo exacerbado de betacaroteno, vitamina E e A podem ser prejudiciais.
“Há algumas décadas, trabalhos mostraram que o consumo de vegetais coloridos poderia ter relação com menor índice de câncer. Então, começou o “boom” pela cura da doença. A indústria conseguiu isolar algumas substâncias e as jogou em uma cápsula. Diversos trabalhos publicados buscaram a correlação entre substâncias isoladas e doenças isoladas. Contudo, não se identificou resultado bom de cura ou redução de risco. Inclusive, houve alguns riscos identificados nas pesquisas – relembra Henkin.
Agora, o que tem se observado é um aumento no consumo da vitamina D, que exerce papel importante na fixação de cálcio nos ossos, mas é lipossolúvel – ou seja, pode se acumular nas células de gordura, provocando intoxicação, alerta o médico da Abran.

Então, nenhum suplemento é indicado?

O nutrólogo Henkin destaca que pessoas sem nenhum problema de saúde devem evitar essas substâncias. “Nada é inócuo nesse campo”, justifica. Há exceções. Um suplemento importante é o ácido fólico para gestantes, que ajuda na formação da placenta e a prevenir doenças do tubo neural nos bebês. Pacientes que passaram por cirurgia bariátrica ou que se tornaram vegetarianos, por exemplo, podem necessitar de suplementação de B12. Quem fez o procedimento de redução do estômago também pode usar os polivitamínicos em função de problemas na absorção dos nutrientes. O mesmo ocorre com algumas pessoas com doença celíaca, que absorvem pouco dessa vitamina.
“Tomar por tomar pode causar problemas gástricos e até mesmo reduzir a absorção de outro medicamento. As pessoas acham que estão fazendo uma coisa boa, mas é preciso uma análise médica para avaliar possíveis interações com outras drogas e o melhor horário para ingestão do suplemento”,  conclui Carolina.
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