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Os progressistas odiaram – e você deveria amar – a amizade de Ellen e Bush
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Uma foto foi o suficiente para despertar a ira de muitos progressistas norte-americanos: Ellen de Generes ao lado de George W. Bush no jogo de futebol americano dos Dallas Cowboys. Ela é a representação bem acabada e bem sucedida da luta identitária no país enquanto o ex-presidente é membro de uma das famílias conservadoras mais poderosas do país. Como ousam sentar lado a lado?

Se você acha que a gritaria veio dos conservadores, sente que lá vem história. Claro que houve protestos dos dois lados, já que nossa sociedade tem admitido a prática danosa de viver em bolhas ideológicas, mas gente sapateando mesmo foi entre os progressistas.

Ellen de Generes é comediante e apresentadora de TV, uma das mais bem sucedidas dos Estados Unidos. É, até hoje, a única pessoa a ter apresentado o Oscar, o Grammy e o Emmy. O patrimônio pessoal dela é avaliado em US$ 450 milhões, uma vitória e tanto para quem é filha de um corretor de seguros com uma agente imobiliária. A história pessoal dela é marcada pelo fato de se assumir publicamente lésbica numa época em que isso não era feito por artistas. Encarou a baixa, se reergueu e hoje vive abertamente o casamento de 11 anos com Portia de Rossi.

George W. Bush vem de uma linhagem de conservadores republicanos. Assumiu a presidência depois do pai ser presidente e logo após os atentados de 11 de setembro. Lotou seu gabinete de conservadores, estendeu a mão para a América Latina e teve uma política diplomática bastante dura com os países do Oriente Médio, a ponto de se autodenominar "o presidente das Guerras". É contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas é favorável a uniões civis entre homossexuais feitas no nível estadual. Irritou bastante alguns de seus apoiadores evangélicos ao dizer que os Republicanos estavam "chutando os gays" e isso não era bom para o partido.

Qual o problema da amizade entre duas pessoas que pensam diferente? Para quem não vê um valor intrínseco na amizade, muitos.

A tendência de organizar a sociedade em bolhas ideológicas - em vez de dar a centralidade às famílias e aos princípios - fica mais forte na era das mídias sociais. Os que parecem ferozes têm o dom de calar alguns e, a partir do momento em que a pessoa abre mão do próprio direito de se expressar, vai abrir mão de tudo. Os radicais vencem porque é chato bater de frente com eles e vão expurgando o grupo até que restem apenas os mais radicais. Então, eles dominam o debate público enquanto os demais ouvem quietos. O ataque dos progressistas a Ellen de Generes foi algo totalmente desproporcional.

Aliás, a onda de ataques já dura mais de uma semana e vem principalmente de Hollywood. É uma lógica um pouco tempestuosa: o mesmo grupo que a isolou e prejudicou profissionalmente por se assumir lésbica agora quer fazer de novo o isolamento porque ela é amiga pessoal de um conservador. Toda a mídia norte-americana continua repercutindo o que se tornou um escândalo. O único famoso a sair em defesa de Ellen é o britânico Elton John. Os progressistas têm muito a tratar no divã: quando Michelle Obama tirou foto abraçando George W. Bush não houve a mesma gritaria.

Ellen de Generes chegou a fazer um vídeo em seu programa, um dos recordistas de audiência da TV norte-americana, para se explicar. Ela não foi ao jogo com Bush, foi convidada pela filha do presidente do time e o encontrou lá: são amigos, se dão bem, sentaram juntos.

"Não é porque eu não concordo com alguém em tudo que não serei amiga dele. Quando eu digo 'sejam gentis uns com os outros', eu não quero dizer apenas com pessoas que pensem do mesmo jeito que você". - disse Ellen.

Claro que os tuiteiros ressentidos não engoliram essa. Reeditaram o vídeo do programa colocando ao fundo imagens de pessoas torturadas na prisão de Abu Graib, dando a impressão de que ela havia gravado assim suas declarações. É, tecnicamente, uma modalidade de fake news: descontextualizar declarações. Quem vê o vídeo pode pensar que ela deliberadamente colocou imagens de tortura porque aprova e a intenção da montagem é essa mesmo, maliciosa. Mais de 300 mil visualizações depois, o Twitter derrubou o vídeo fake. Obviamente tem espírito de porco subindo o vídeo de novo, esse pessoal tem tempo de sobra.

A grande questão nesse imbroglio todo é: o pessoal não cansa de viver nesse clima de "nós contra eles"? Em que ponto perdemos a capacidade de dialogar com civilidade e amando o próximo?

A maioria de nós tem amizade ou laços familiares com gente que pensa diferente. É natural, já que a organização da sociedade se dá em torno das famílias e não de núcleos políticos ou ideológicos. Quando isso ocorre, estamos diante de seitas, de agressividade, de ódio e de menosprezo da individualidade humana. A Alliance Defending Freedom, uma organização norte-americana de defesa da liberdade de expressão e da liberdade religiosa, fez um artigo muito interessante sobre a amizade de Ellen e Bush. O artigo traz 3 pontos sobre o que podemos aprender com o episódio:

1. Reconhecer que todos os seres humanos são criados à imagem de Deus e têm dignidade - Esse ponto é fundamental. Negar isso nos leva a tratar os seres humanos como se fossem objetos para o nosso deleite em vez de pessoas feitas para o amor que merecem nosso respeito.

2. Ame seus vizinhos - "Ame o próximo como a si mesmo", lembram? No debate público, devemos tratar os outros como gostariam de ser tratados. Isso inclui rejeitar xingamentos, exageros e difamação.

3. Reconheça que a persuação acontece nas relações pessoais - Você já mudou de ponto de vista por causa de um xingamento no Twitter ou nos comentários de um artigo? Pois é. Já na amizade entre Ellen e Bush, é possível que um acabe persuadindo o outro, como ocorre nas relações que todos nós mantemos. Nada desafia mais nossa visão de mundo que a proximidade com quem discorda de nós, respeitando a dignidade da pessoa e debatendo as diferenças.

A Alliance Defending Freedom diz que advoga pela liberdade de expressão e isso necessariamente é para todos. "Não apenas para os que concordam conosco, mas para os que discordam também. Porque o único meio de ter um debate significativo como nação é ouvir todos os lados", diz o artigo.

"Muito poucas pessoas se beneficiam de uma cultura de guerra em que o vencedor leva tudo. Não se renda a essa narrativa. Rejeite o impulso de sentar anonimamente atrás de uma tela e difamar aqueles de quem você discorda. Vamos nos certificar de que há lugar no debate público - e nas nossas vidas - para pessoas de bem de ambos os lados" - defende a Alliance for Freedom.

Só há dois tipos de liderança: as que ganham na paz e as que ganham na divisão. Quem precisa dividir vai sempre criar o caos, tentar torná-lo eterno e triunfar sobre o sofrimento dos demais. Somente quem sabe crescer na paz dará importância a uma sociedade estruturada. Você quer colaborar com qual grupo? Pense nisso.

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