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Um século muda o mundo mas não a alma humana
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Cem anos nunca significaram tanto na história da humanidade e, particularmente, na história do jornalismo. O avanço tecnológico, a cada ano maior que o registrado anteriormente em um século inteiro, mudou não apenas a forma de apurar e divulgar notícias, mas também a dinâmica das relações sociais e o que é considerado notícia.

O que não mudou nesses últimos 100 anos? Em 1919, eu provavelmente não escreveria sobre política, as mulheres nem votavam. O direito dado por emenda constitucional em 1918 nos Estados Unidos e ratificado em 1920 só chegaria aqui 12 anos depois.

Ao contrário dos saudosistas, tenho plena convicção de que o mundo mudou para melhor e a comunicação também. Algo parecido com uma frase sobre filhos: “os dias são longos, os anos são curtos”. Ao final de cada dia, o noticiário parece um edifício de desventuras e erros salpicado com algumas conquistas. Mas são os avanços o motor da história: cura de doenças, vacinas, transporte que permite ver o mundo, a conquista espacial, sistemas jurídicos preocupados com a dignidade humana, meios de comunicação e de informação acessíveis para a massa do povo.

No ano de 1919, quando nasceram Evita Perón e João Goulart, Mussolini fundou a organização que daria origem ao fascismo, foi criada a Liga das Nações e assinado o Tratado de Versalhes na Conferência de Paz de Paris, acontecimentos que chegaram ao Brasil por escrito e com atraso.

Fotos eram raras e jornalistas ainda vinham do jornalismo exclusivo de opinião, parte importante de movimentos como a abolição da escravatura e a proclamação da República no Brasil. Se engatinhava no mais comum hoje: reportagem feita de registros de fatos, documentos e entrevistas.

A imagem, o som e o vídeo passaram a fazer parte das notícias. Primeiro os equipamentos eram caríssimos e hoje todos esses recursos estão num celular, que foi criado para ser telefone. O jornalismo desceu do salto alto, mais que informação nova, é necessário ter credibilidade – um casamento do discurso com as ações e a biografia – para que o público confie na forma de relatar os fatos.

Resolvi, por curiosidade, ler o primeiro exemplar da Gazeta do Povo, para tentar imaginar quem seria eu naquela meia dúzia de páginas sem uma única imagem. O primeiro texto, “Nosso Rumo” permanece atual:

“Este jornal, ou os que nelle militam, tendo notado vicios radicaes no systema tributario do Estado; inversões relativas ao entendimento de suas naturaes fontes de receita; vicios que são capitaes na sua actividade politica e que affectam de modo profundo a massa da população; vem tomar logar entre os que pretendem contribuir com sua actividade para o melhoramento das nossas condições, tão tristes nesse momento, e que despertam tão sombrias cogitações para o futuro.”

Da equipe exigia-se o mesmo que hoje: “Os que nelle trabalham forraram o ânimo para os golpes da adversidade.” Quanto à missão, a revolução tecnológica não alterou nada: “Este jornal, como já o declarou seu director em boletim profusamente distribuido, é um jornal imparcial. Destina-se à defesa dos interesses geraes da sociedade, a chamar a atenção de todos e de cada um para os assumptos que, directa ou indirectamente, nos interessam”.

Se o mundo hoje não poderia ser imaginado nem pela mais tresloucada ficção científica de 100 anos atrás, a revolução tecnológica, midiática e social é incapaz de fazer mudanças na essência da alma humana. Ainda que nossos problemas se repitam como uma roda girando em falso na trilha da história, cada geração encontra a esperança em rochas firmes e inabaláveis: a importância de ter princípios e a coragem de viver de acordo com eles.

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