“Depois de muito refletir, cheguei à brilhante conclusão de que é preferível 30% de alguma coisa do que 100% de nada.”
(Fast Eddie em The Hustler)
O ano de 2024 irá começar com desafios não triviais para as principais economias mundiais. Taxa de juros, preço da energia e inflação, endividamento e guerras podem complicar razoavelmente o desemprenho das principais economias do mundo. Tal como já escrevi em textos anteriores, a velocidade da subida da taxa de juros internacional não encontra paralelo nos últimos 40 anos. O efeito disso ainda não apareceu, mas aos poucos os sinais vão ficando cada vez mais claros. Esse forte incremento na taxa de juros irá complicar razoavelmente uma ampla gama de famílias e empresas nos Estados Unidos e nos principais países da Europa.
A guerra entre Rússia e Ucrânia, a instabilidade no Oriente Médio, e as dúvidas sobre a economia chinesa também são peças importantes nesse tabuleiro. O preço do petróleo pode pressionar os custos de produção e encarecer o custo de vida ao redor do mundo, com a consequente perda de poder aquisitivo das famílias europeias e americanas. Dúvidas sobre a economia chinesa, principalmente no setor imobiliário, também podem causar fluxos de capitais migrando em busca de segurança, o que é bom para os Estados Unidos, mas nem tão bom para o Brasil. No cenário internacional, também precisamos incluir a possibilidade de uma redução na taxa de crescimento chinesa com seus consequentes impactos na economia mundial. E, claro, também é importante analisar o impacto disso sobre a geopolítica do leste asiático. Uma redução no crescimento chinês pode ter como consequência o aumento da instabilidade em determinadas disputas geográficas na Ásia.
Para finalizar a análise do cenário internacional, precisamos ressaltar o elevado nível de endividamento de governos, empresas e famílias. Muito desse endividamento decorreu de medidas para aliviar a crise de Covid-19. Contudo, também contribuiu para esse endividamento uma década de taxa de juros real baixa, e em muitos países próxima de zero, fazendo com que diversas empresas e famílias se endividassem como se esse cenário fosse de equilíbrio de longo prazo. O aumento da taxa de juros internacional irá pressionar muito o custo de rolagem da dívida de governos, empresas e famílias. Ajustes serão necessários, e não será surpresa se tivermos em 2024 vários países importantes do mundo com crescimento baixo ou mesmo negativo. Enfim, no ano que vem o cenário externo será desafiador.
Se fizermos a lição de casa no lado fiscal, evitando aumentar o gasto público num ano com eleições municipais, o Brasil tem tudo para se tornar o grande porto seguro do investimento mundial
Para o Brasil o cenário será igualmente desafiador. Por um lado, temos um país que passou por importantes reformas macroeconômicas (reforma trabalhista, reforma da previdência, autonomia do Banco Central) e microeconômicas (melhoria nos marcos legais; aprimoramento nos mercados de crédito, capitais e seguros; concessões e privatizações; abertura econômica; entre outras) nos últimos anos. Essas reformas aumentaram o PIB potencial brasileiro e começam a mostrar seu efeito benéfico na economia. Por outro lado, temos um endividamento e gasto público que merecem atenção. A velocidade do crescimento da dívida pública brasileira entre 2022 e 2023 preocupa. Terminamos 2022 com uma dívida (Dívida Bruta do Governo Geral) de 72,9% do PIB, e caminhamos para terminar 2023 com essa dívida ao redor de 76%. É uma taxa de crescimento elevada demais para o primeiro ano de um governo e que precisa ser contida.
Ainda no que se refere ao gasto público, temos que a variação do resultado primário em 2023 (utilizando dados do Focus) em relação ao ano anterior será de -2,4 p.p. do PIB, isso só foi superado em 2020 (efeitos da Pandemia), cujo variação de -8,9 p.p. foi revertida para elevação do primário em 10,0 p.p. em 2021; outro cenário semelhante foi em 2014, cuja variação foi de -2,3 p.p.; coincidentemente, não houve reversão dos déficits nos anos posteriores e tivemos uma recessão severa no Brasil em 2015 e 2016. Ou seja, é urgente abordar o ajuste fiscal, principalmente pelo lado dos gastos.
Minha análise para o Brasil é simples: se tivermos sucesso em reduzir o déficit primário, se tivermos sucesso em reduzir o gasto público, se tivermos sucesso em recolocar o endividamento público numa trajetória decrescente com convergência para valores ao redor de 75% do PIB, o Brasil terá um excelente ano, e poderá ser o grande porto seguro do investimento mundial. Num mundo em instabilidade, onde ocorre uma grande realocação do portfólio mundial de investimentos (com capitais saindo de zonas de conflito e buscando um porto seguro) o Brasil tem tudo para ser a bola da vez (no bom sentido do termo). Basta cuidar do lado fiscal da economia e teremos um grande afluxo de capitais vindo para o Brasil gerando empregos, renda e crescimento econômico em nosso país.
Em resumo, o Brasil depende apenas de si mesmo para ter um bom desempenho econômico em 2024. Se fizermos a lição de casa no lado fiscal, evitando aumentar o gasto público num ano com eleições municipais, o Brasil tem tudo para se tornar o grande porto seguro do investimento mundial. Infelizmente, o oposto é igualmente verdadeiro para o Brasil: se o lado fiscal perder sua ancoragem, o Brasil se somará ao grupo de países instáveis e, em vez de receber investimentos, veremos o capital privado sair do país.
Como disse Fast Eddie, personagem de Paul Newman em The Hustler: é melhor ter 30% de alguma coisa do que 100% de nada. O cenário externo está instável demais para que qualquer país se aventure em grandes planos. O momento atual é de fazer os ajustes internos na economia; é de fazer o dever de casa e aguardar os ajustes que se aproximam da economia mundial.
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