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Adriano Gianturco

Adriano Gianturco

Criminalidade

A emergência dos latrocínios

latrocínio
Não é aceitável que uma pessoa morra em um assalto, por causa de um carro, uma bicicleta ou um celular. (Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney)

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Recente pesquisa mostra que a criminalidade virou a maior preocupação dos brasileiros. Existe todo um vocabulário penal brasileiro de fenômenos que nem sequer existem em outros países: “arrastão”, “bala perdida”, “sequestro relâmpago”, “latrocínio”... tente explicar isso para um gringo! E, para fazer frente a tudo isso, temos outras jabuticabas como “cerca elétrica”, “duplo portão”, “porteiro 24 horas”, “vidros pretos nos carros”, identificação em todos os condomínios e prédios, e até carros blindados. Vivemos reféns. A Polícia Federal exige um motivo para conceder o porte de arma – como se viver no Brasil não fosse motivo suficiente!

O leitor da coluna já conhece esses dados: Temos a 12.ª maior taxa de homicídio do mundo, segundo o UNODC e o Worldpopulationreview. O país registra cerca de 40 mil homicídios anuais, embora o número venha caindo; de todos esses assassinatos, só 39% têm seu autor identificado, segundo o Instituto Sou da Paz – e isso não significa que o assassino cumprirá toda a pena; na verdade, não significa nem que será preso! Estamos também na 15.ª posição mundial por taxa de criminalidade e na 24.ª por estupros, segundo o Worldpopulationreview. O mesmo site indica que temos a 14.ª maior população carcerária do mundo em termos proporcionais – mas nesse cálculo estão incluídas também cerca de 220 mil pessoas que cumprem a pena em regime domiciliar. Por fim, temos também a oitava polícia mais letal do mundo, de acordo com o Worldpopulationreview.

Não é normal e nem aceitável que um pai de família possa sair de casa e nunca mais voltar por causa de um simples assalto. No Brasil mata-se por um celular, mata-se por nada, mata-se muito facilmente

O problema é enorme. Mas diz o ditado: “como se come uma baleia? Em pedaços!” Vamos, portanto, separar as coisas. Existe uma questão mais geral de criminalidade; um subconjunto de homicídios; e outro subconjunto, o de latrocínios. Pense bem: do que você tem mais medo, na verdade? De ser assaltado e, especificamente, ser morto durante o assalto. Uma coisa seria um roubo ou furto de celular, moto ou carro; outra coisa é arriscar ser assassinado por isso. Não é normal.

Em outros países, geralmente, os homicídios envolvem criminosos que se matam entre eles, os ditos “crimes passionais”, e casos de jovens que (por vários motivos) se expõem a vários riscos. Mas não é normal e nem aceitável que um pai de família possa sair de casa e nunca mais voltar por causa de um simples assalto. No Brasil mata-se por um celular, mata-se por nada, mata-se muito facilmente.

Os dados desagregados sobre latrocínio só começaram a ser levantados em 2015. Desde lá até 2024, foram 16.433 latrocínios, ou mais de 1,6 mil por ano, 4,5 por dia. As ocorrências vêm caindo desde 2018, com uma queda de 60%; nos últimos dois anos tivemos cerca de 960 casos ao ano. Em 2024, os estados com as piores porcentagens foram Espírito Santo, Maranhão, Roraima e Pernambuco; os melhores são Acre, Alagoas e Minas Gerais, segundo dados do Sinesp. Pouco menos de mil crimes desses por ano não parecem tanta coisa? Pense que em outros países nem sequer há latrocínios!

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A palavra “latrocíno” nem existe em outras línguas; não existe em inglês, francês, alemão, russo, nem em albanês. Em italiano, latrocinio (ou ladrocinio) significa algo bem diferente: a palavra descreve um furto com aparência de legalidade, um furto com engano, em grande escala, diante de todos, na cara dura. Não implica morte, porque isso simplesmente (quase) não acontece. Em Portugal, a palavra existe, evidentemente; mas é um termo jurídico técnico, não usado pela população. Já no Brasil, o latrocínio é tão comum que todos usam a palavra, que até se tornou um tipo penal especifico, previsto pelo artigo 157, inciso III do Código Penal. Nos outros países, quando isso acontece, o bandido responde por dois crimes diferentes: roubo e homicídio.

Na pesquisa Genial/Quaest, a preocupação com a criminalidade superou as questões sociais e a economia. Isso acontece mesmo que os homicídios estejam caindo desde 2020. Por quê? Um dos motivos é o fato de as redes sociais aumentarem a informação e percepção dos casos de violência; o caso do ciclista de São Paulo é só um dos últimos que viralizaram.

O medo das pessoas é o latrocínio. Isso ainda não entrou no debate público, mas o (principal) medo concreto é certamente esse. É verdade que existe uma emergência de criminalidade, uma emergência de homicídios, mas antes existe uma emergência de latrocínios, que precisa ser combatida.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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