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Adriano Gianturco

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Transferência de renda

A direita e a esquerda destruíram o Bolsa Família

O Bolsa Família se agigantou desde a pandemia: o valor médio mais que triplicou e o número de famílias atendidas teve forte aumento.
O Bolsa Família se agigantou desde a pandemia: o valor médio mais que triplicou e o número de famílias atendidas teve forte aumento. (Foto: Roberta Aline/MDS)

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O Bolsa Família causa polêmica desde quando foi lançado. Muitos criticavam o assistencialismo e o possível efeito perverso de “acomodação”. O fato é que todos os programas sociais geram distorções; mas, entre eles, o Bolsa Família era relativamente bom e até muito elogiado internacionalmente: não gerava efeitos perversos, tinha vários benefícios (por exemplo, o aumento da oferta de trabalho feminina), e passava no crivo das análises de custo/benefício. Além disso, o valor recebido por cada beneficiário era pequeno e o seu custo total não passava de cerca de 0,5% do PIB.

Agora, um recente estudo da FGV mostra uma correlação entre a expansão do programa e a redução da oferta de trabalho de homens (mas não de mulheres), especialmente de jovens e nas regiões Norte e Nordeste, além de uma redução da ocupação em emprego formal entre homens de todas as faixas etárias e regiões brasileiras. O que aconteceu?

Não é de surpreender que o Bolsa Família, inicialmente, não afetasse a oferta de trabalho, e agora o faça

Durante a pandemia, o Bolsa Família mudou. Em 2020, foi instituído o Auxílio Emergencial de R$ 600; ele acabou servindo de inspiração para o Auxílio Brasil, que começou com um benefício básico de R$ 400, ampliado para R$ 600 em 2022 – ano eleitoral. O governo Lula retomou o nome Bolsa Família em 2023 e elevou o benefício médio para R$ 670. Isso significa que o valor médio do Bolsa Família original, de R$ 190 em 2019, foi mais que triplicado em menos de cinco anos. Não por acaso, a taxa de participação no mercado de trabalho no Brasil não voltou aos níveis pré-pandemia, ao contrário do que ocorreu no resto do mundo. Além disso, o número de beneficiários passou de 14 milhões para 21 milhões. O orçamento anual do Bolsa Família, que era de R$ 35 bilhões em 2017 (correspondente a 0,5% do PIB), subiu para R$ 170 bilhões (pouco menos de 2% do PIB).

O benefício médio do Bolsa Família corresponde, hoje, a cerca de 35% da renda mediana, comparado com 15% em 2019. Não é de surpreender, portanto, que o programa, inicialmente, não afetasse a oferta de trabalho, e agora o faça.

Hoje, o número de beneficiários corresponde a 44% do número de brasileiros com carteira assinada; 12 estados (Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Sergipe) têm mais pessoas recebendo Bolsa Família que com emprego formal; 807 cidades têm pelo menos metade das casas com algum beneficiário do programa, e dez cidades (no Amapá, Amazonas, Maranhão e Pará) têm mais beneficiários que domicílios.

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A taxa de participação no trabalho das pessoas elegíveis ao Bolsa Família caiu 11%. “Para cada duas famílias que recebem o Bolsa Família, uma sai da força de trabalho”, comenta o pesquisador Daniel Duque. Já as probabilidades de estar ocupado e de ter um emprego formal caíram, respectivamente, 12% e 13%.

De fato, no debate público e até nas redes sociais, são cada vez mais frequentes críticas e vídeos mostrando que muitas pessoas preferem o subsidio a trabalhar. Agora, os dados confirmam essa percepção popular.

O Bolsa Família é o principal programa social brasileiro. Na verdade, cruzando o valor recebido com quanto as pessoas pagam de impostos (incluindo aqueles embutidos no consumo), percebe-se que os beneficiários ainda entregam ao governo mais do que recebem dele. O programa, então, é uma devolução de apenas uma parcela do que os mais pobres pagam. Reduções de impostos são sempre economicamente mais eficientes, mas subsídios (mesmo se falsos) são mais eficientes do ponto de vista político.

A política destruiu o Bolsa Família. Tanto a esquerda quanto a direita tendem a aumentá-lo por motivos políticos, especialmente em ano eleitoral

Entre os programas de transferência de renda, o Bolsa Família era relativamente bom: custo baixo, nenhum efeito perverso, alguns benefícios. Agora acabou: o custo aumentou (de 0,5% para quase 2% do PIB) e os efeitos “perversos” aumentaram.

Em resumo, a política destruiu o Bolsa Família. Tanto a esquerda quanto a direita tendem a aumentá-lo por motivos políticos, especialmente em ano eleitoral. Brigam até sobre o nome. Não adianta ter bons técnicos que desenvolvam políticas públicas baseadas em evidências, porque países com instituições fracas funcionam assim: a política é mais forte que a técnica.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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