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Todos viram, recentemente, o episódio em que um ex-professor da UFRJ escreveu “só guilhotina”, em referência a uma foto de Roberto Justus com sua família, em que a filha segurava uma bolsa caríssima. Muitos apontam a indignação seletiva de quem se irrita com isso, mas não com o luxo ostentado por Janja ou Erika Hilton – luxo esse pago com o nosso dinheiro. Mas até para isso já houve uma resposta: os militantes disseram explicitamente que, para eles, um salário é mais honesto que a renda de um empresário que exploraria os trabalhadores. Em resumo, a típica visão marxista.
A direita ainda acha que é mera questão de inveja, mas não: quem pede guilhotina para rico não tem a menor inveja dessas coisas – muito pelo contrário, tem repulsa mesmo. Claro, há indignação seletiva, lavagem cerebral proto-marxista, incômodo devido à pobreza e à desigualdade brasileiras, assim como também há uma crítica à educação dos filhos, mas o caso é mais profundo que isso: é sobre ética e estética.
Sentir ódio, raiva, inveja ou admiração por um estilo ou por outro é natural. Mas uma sociedade que se guia apenas pelos instintos naturais é bárbara
“Estética” não é uma mera questão de estilo e aparência; ela é reflexo da “ética” – curiosamente, apesar de as raízes gregas serem diferentes, reparem como em português e em alguns outros idiomas um termo está embutido no outro. Pelo estilo, geralmente, entende-se qual a ética das pessoas.
Na foto há uma família tradicional, branca; além do luxo, há três pessoas vestidas todas iguais, combinando (imitando as fotos dos norte-americanos) com roupa lisa. A criança está maquiada e com pose de modelo; o pai, com botox; e a mãe, com cabelo loiro, pintado. Há quem goste disso e o almeje para si; há quem não goste e prefira o oposto: mais diversidade, roupa mais colorida, tecidos, materiais e poses mais naturais, um estilo mais descolado e menos pretensiosos. De gustibus non disputandum est – gosto não se discute. A psicologia social já demonstrou que essas preferencias são inatas.
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A crítica não tem a ver apenas com luxo, gasto e ostentação. As pessoas podem copiar o primeiro estilo gastando pouco – e os esquerdistas criticarão da mesma forma –, assim como podem aderir ao segundo estilo com itens caros típicos da esquerda caviar, e a direita também não irá gostar. O ponto é: a primeira estética reflete uma preferência ética por padronização, tradição, ordem e disciplina; a segunda, por diversidade, abertura, espontaneidade e criatividade.
Sentir ódio, raiva, nojo, incômodo, inveja ou admiração por um estilo ou por outro é natural; somos seres humanos. Mas uma sociedade que se guia apenas pelos instintos naturais é bárbara.
Assim como tentamos dominar nossos instintos violentos, sexuais e culinários, temos de aprender a dominar as paixões políticas. No nível individual, amadurecer inclui (também) dominar nossos instintos mais baixos (ou pelo menos tentar) e sermos melhores. No nível social, esse é exatamente o processo de civilização.
Assim como tentamos dominar nossos instintos violentos, sexuais e culinários, temos de aprender a dominar as paixões políticas
Faça um exercício mental: eu posso gostar de x e não gostar de y, mas quais as consequências concretas de x e y? Eu posso não gostar da foto de Justus, nem de tudo o que ela representa; mas, concretamente, quais as consequências disso? Eu posso sentir compaixão pelos últimos da sociedade, posso ajudá-los voluntariamente, mas quais as consequências concretas de criar um sistema assistencialista financiado compulsoriamente? Eu posso até não gostar de drogas e armas, mas quais as consequências reais do desarmamento e da guerra às drogas? Eu posso até não gostar de outras tribos políticas, mas elas existem e existirão. Quais as consequências de reprimi-las?
A ideia é subsituir os instintos pela razão. Somos animais sociais, destinados a conviver uns com os outros. Isso pode terminar em intolerância e guerra tribalista de todos contra todos. John Locke sabia disso, mas sabia também da capacidade humana de alcançar a razão e de entender que a cooperação e a tolerância são mais convenientes e mais justas que os conflitos.
Há dois caminhos: instintos e barbárie, ou razão e civilização.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos




