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Adriano Gianturco

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Ideologias

Da esquerda para a direta: a metamorfose ideológica de Mario Vargas Llosa e outros pensadores

Mario Vargas Llosa
O escritor peruano Mario Vargas Llosa (em foto de 2023) faleceu em 13 de abril. (Foto: Teresa Suarez/EFE/EPA)

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Acabou de nos deixar o escritor e Prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa. O intelectual peruano é um dos casos mais notáveis de transformação ideológica, passando do entusiasmo socialista para se tornar um dos principais defensores do liberalismo na América Latina.

Nos anos 1960, apoiou a Revolução Cubana, mas começou a se desiludir quando, em 1971, o poeta Heberto Padilla foi preso e forçado a fazer uma autocrítica pública. Depois leu Raymond Aron e lá entendeu definitivamente. “A realidade me curou do socialismo”, teria declarado.

O caso de Mario Vargas Llosa está longe de ser único. A história intelectual está repleta de figuras que redefiniram drasticamente suas convicções políticas.

Friedrich Hayek iniciou sua trajetória com inclinações fabianas e socialistas durante seus anos formativos em Viena. Foi apenas após seus estudos econômicos e a observação dos efeitos do intervencionismo estatal que Hayek se converteu em um ardoroso defensor do liberalismo clássico e do livre mercado.

Mario Vargas Llosa é um dos casos mais notáveis de transformação ideológica, passando do entusiasmo socialista para se tornar um dos principais defensores do liberalismo na América Latina

Ludwig von Mises, mentor de Hayek, também passou por uma evolução ideológica menos conhecida. Inicialmente influenciado pelo historicismo alemão predominante na academia austríaca, Mises gradualmente desenvolveu seu sistema teórico que rejeitava o intervencionismo estatal.

James Burnham, influente estrategista durante a Guerra Fria, transitou do trotskismo radical para o conservadorismo americano. Seu livro A Revolução Gerencial (de 1941) marcou o ponto de inflexão, argumentando que tanto o capitalismo quanto o comunismo convergiam para uma sociedade dominada por gerentes tecnocráticos.

Aquela de Benito Mussolini não pode ser considerada uma verdadeira “conversão”. Ele iniciou como socialista e editor do jornal Avanti!, mas tensões da Primeira Guerra Mundial o levaram a criar uma nova ideologia: o fascismo, que mesclava socialismo, nacionalismo e corporativismo, tão estatista quanto o socialismo, mas substituindo o internacionalismo pelo nacionalismo.

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Entre os contemporâneos, o filósofo conservador Roger Scruton passou por uma conversão ideológica abrupta. Observando os protestos estudantis em Paris, em 1968, Scruton sentiu repulsa pelo que considerava um niilismo destrutivo. “Foi nesse momento que me descobri conservador”, afirmaria depois.

David Horowitz exemplifica uma transição radical. Ex-editor da revista marxista Ramparts e ativista da Nova Esquerda nos anos 1960, Horowitz transformou-se em um dos mais vocais críticos da esquerda americana após o assassinato de uma amiga pelos Panteras Negras, dedicando-se a expor o que considera a intolerância progressista nas universidades.

O historiador britânico Paul Johnson, antes de se tornar um importante intelectual conservador, era socialista e editor da revista de esquerda New Statesman. E Jordan Peterson, psicólogo canadense e fenômeno intelectual recente, inicialmente associado à esquerda e ao Novo Partido Democrático do Canadá, moveu-se gradualmente para posições conservadoras.

Roger Scruton passou por uma conversão ideológica abrupta ao observar os protestos estudantis em Paris, em 1968, e sentir repulsa pelo que considerava um niilismo destrutivo

Não acontece só com grandes pensadores; muitos dos nossos leitores também devem ter passado por isso. Afinal, alguém já disse “se com 20 anos você não é socialista, não tem coração; se aos 30 anos você ainda é socialista, não tem cérebro”.

Mas há também transições na direção oposta, ainda que mais raras. Jeremy Bentham, influenciado por A Riqueza das Nações, de Adam Smith, era um fervente liberal. Depois, não virou socialista, mas negou os princípios éticos liberais e se tornou um utilitarista “eficientista” centralizador. John Stuart Mill partiu do liberalismo clássico, mas, sob a influência da esposa, Harriet Taylor, se inclinou para posições sempre mais progressistas e radicais. George Bernard Shaw se considerava “um perfeito exponente do livre comércio liberal”, mas viu a pobreza e a desigualdade da Londres dos fins do século 19, leu O Capital de Marx e virou socialista fabiano.

Mudar de ideia é normal. Às vezes essa é a resposta às convulsões históricas que testemunhamos, à leitura de livros importantes, a encontros com pensadores influentes. Aferrar-se a uma convicção por toda uma vida pode ser o resultado de reflexão sincera, mas também pode ser o resultado de pura ingenuidade juvenil, ou do simples fato de ser exposto a um lado só. A solução é sempre ler todos os lados.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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