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O Brasil tem a terceira Constituição mais longa do mundo, a décima que mais promete direitos, e a segunda mais emendada do mundo. São dados que trago em meu novo livro.
Um estudo do Comparative Constitution Project mostra que a Constituição brasileira tem 64.448 palavras e vem só depois da indiana e da nigeriana (países que não são exatamente casos de sucesso) neste quesito.
A palavra “direito” aparece 90 vezes, enquanto a palavra “dever” aparece apenas sete vezes. Por isso, a Constituição brasileira é a décima do mundo que mais promete direitos, atrás de Equador, Bolívia, Sérvia, Portugal, Cabo Verde, Venezuela, Armênia, México e Angola. É óbvio: quando alguém tenta fazer muitas coisas, acaba fazendo-as todas mal, ou não faz nenhuma. A amplitude excessiva compromete a efetividade prática dos direitos proclamados.
Mas não termina por aqui. A Constituição brasileira é também a segunda mais emendada do mundo, pelo menos em um estudo comparativo do Senado com outros 11 países. Vejamos como estão alguns dos outros países pesquisados: a Constituição norte-americana teve 27 emendas em 233 anos; a chilena, 60 emendas desde 1980; a argentina, sete emendas desde 1853; a alemã, 60 emendas desde 1949; a portuguesa, sete vezes desde 1978; e a mexicana, 251 emendas desde 1917.
Temos uma Constituição gigantesca, que promete tudo e não consegue entregar nem metade. Um documento que, de tão abrangente, paralisa o país
A Constituição do México tem mais emendas em termos absolutos, mas, considerando-se também o tempo de vigência, o Brasil a supera: a Constituição mexicana teve 251 emendas em 106 anos, ou média de 2,06 emendas por ano, enquanto o Brasil teve 131 emendas em 35 anos, com média de 3,7 emendas por ano. Quando algo precisa ser reformado muitas vezes, é porque não é atemporal – como deveria ser uma Constituição. De fato, a Carta Magna brasileira é tão emendada que quase não é mais a Constituição de 1988, é outra.
A Constituição brasileira é excessivamente ampla, englobando desde a divisão dos poderes até detalhes como atribuições da OAB – que se orgulha do seu “papel constitucional”! Dessa forma, o STF acaba se pronunciando sobre tudo, desde foro privilegiado e princípios gerais até campeões brasileiros de futebol (aconteceu no ano passado!).
É por isso que escutamos o tempo inteiro “PEC daqui” e “PEC de lá”. Tudo vira PEC, porque qualquer proposta de lei esbarra na Constituição, e tudo esbarra na Constituição porque ela é ampla demais. “PEC” entrou no jargão popular como sinônimo de “mudança importante” para a população.
O jurista Rodrigo Saraiva Marinho costuma dizer que o problema da Constituição é que nasceu um ano cedo demais, antes da queda do Muro de Berlim. Pode até ser. O mundo viu os fracassos dos modelos sociais e o avanço dos sistemas liberais, e o Brasil ficou preso a um modelo desatualizado.
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A Constituição brasileira tem até um adjetivo: “cidadã”. Quem inventou essa denominação parece ter sido Ulysses Guimarães, para destacar o caráter democrático e participativo da nova Constituição, que marcou a redemocratização do Brasil após o regime militar. A expressão enfatizava que a Constituição afirmava a legitimidade dos direitos civis e políticos e o papel do Estado em garanti-los, colocando o cidadão no centro das preocupações constitucionais.
Mas o que vimos na prática foi diferente. Uma Constituição gigantesca, que promete tudo e não consegue entregar nem metade. Um texto que precisa ser mudado quase quatro vezes por ano para funcionar minimamente. Um documento que, de tão abrangente, paralisa o país.
Com tudo isso, ela precisava mesmo de um adjetivo, de uma definição carinhosa, de uma jogada de marketing, de um envelope bonito, para que as pessoas não reparassem no recheio. Não é por acaso que todos repetem o lema do “pai da Constituinte”, mas ninguém conhece os recordes negativos aqui trazidos.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos




