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Adriano Gianturco

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Narcotráfico

A guerra por território no Rio e o Estado falido

rio de janeiro complexo do alemão complexo da penha
Complexo da Penha, uma das áreas em que polícia do Rio realizou megaoperação, é fortaleza do Comando Vermelho. (Foto: Tânia Rego/Agência Brasil)

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O Estado, o Comando Vermelho e o PCC são grupos que concorrem pelo controle do território e pela pilhagem de recursos. É o mesmo que o jurista Santi Romano dizia a respeito da Itália, quando mostrava que, por lá, “o Estado e a máfia são duas ordens concorrentes”. O que acontece no Rio de Janeiro não é crime comum, nem se pode falar mais de criminalidade organizada. O Estado está perdendo o controle do território e dos recursos (se é que já o teve algum dia). A população está perdendo a vida, o bem-estar, está perdendo tudo.

Os “bandidos nômades” de Mancur Olson estão ganhando território em cima do “bandido estacionário” (o Estado). O Brasil conseguiu manter território na tentativa de secessão da Província Cisalpina, de Canudos, da Inconfidência Mineira, mas hoje está perdendo território para o narcotráfico: cerca de um quarto do território e 23 milhões de pessoas (11% da população) estão sob domínio do crime organizado.

Isso é típico da América Latina. Colômbia, Venezuela e Equador já são narcoestados; Bolívia e Brasil têm graves problemas de narcotráfico, e amplas regiões desses países estão nas mãos do crime.

O Estado recuou intencionalmente e publicamente das favelas; como “não há vácuo de poder”, outros poderes avançaram

O economista David Friedman alega que a extensão territorial de um país depende da sua capacidade de cobrar impostos. Quanto mais território ele conquista, mais consegue cobrar, e vice-versa: quanto mais consegue cobrar, mais território consegue conquistar. Mas, nas favelas, o Estado mal consegue cobrar impostos; o crime consegue cobrar mais porque está fisicamente presente lá. Quem consegue cobrar mais não quer largar o osso, e tem recursos para financiar sua defesa.

Há, também, uma questão geográfica: os morros são mais difíceis de tomar e mais fáceis de defender. Alguns cálculos policiais estimam que a proporção necessária entre membros das forças de segurança e integrantes do tráfico é de 4 para 1. É o mesmo motivo pelo qual micropaíses como San Marino, Liechtenstein, Mônaco, Nepal, Butão, Lesoto, Andorra e mesmo o Tibete (hoje ocupado pela China) sobraram no processo de criação dos Estados-nação: não foram conquistados militarmente porque estão encastelados entre montanhas. Algo similar acontece nas regiões dos Andes (Bolívia, Colômbia, Peru e Bolívia) com o narcoterrorismo. Nas favelas, as ruas estreitas dificultam as ações típicas dos exércitos formais e fazem do conflito uma guerrilha (urbana) que os bandos armados vencem.

O Índice dos Estados Frágeis mede o nível de controle que os Estados têm sobre seu território e coloca o Brasil na 78.ª posição entre 179 países – as maiores posições são dos Estados mais frágeis; a liderança é da Somália –, próximo do Gabão, da Bósnia, da África do Sul, da Bolívia e do Peru. Em termos de tendência, o que vem piorando (desde 2006) são especialmente os fatores políticos e de coesão: divisão da sociedade, divisão das elites políticas, legitimidade do Estado, direitos humanos e serviços públicos, além das pressões demográficas e da economia. Na notória definição de Max Weber, o Estado, para ser tal, deve ter o “monopólio da força legitimizado”. O índice mostra que a legitimidade do Estado brasileiro já não está muito boa (com nota 3,4 em uma escala de zero a 10); agora, o monopólio do uso da força também está piorando.

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Ninguém perde território pacificamente, sem reagir, sem tentar defendê-lo, a menos que o esteja cedendo a amigos ou que tenha alguma vantagem. Se, em vez do CV ou do PCC, os morros cariocas estivessem tomados pelo Estado Islâmico, pelo Talibã ou pela Al Quaeda, o Estado brasileiro reagiria, porque não tem nenhum contato, nenhum conluio, nenhum intercâmbio com eles.

O Estado recuou intencionalmente e publicamente das favelas; como “não há vácuo de poder”, outros poderes avançaram. E o foco na “desinformação”, na “extrema direita”, em punir piadas de comediantes, golpes imaginários e crimes de opinião, e na regulação das redes sociais desviou a atenção do Estado e, especialmente, a atenção do público.

Trata-se de guerra, e guerra por território. Mas não é uma guerra do Estado contra o crime. As coisas são mais complexas, há interconexões elaboradas. O Estado não combate o crime fora dele porque há infiltrados dentro dele que o impedem.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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