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Uma métrica bastante utilizada por economistas é o resultado primário, calculado pela soma da arrecadação do governo menos seus gastos, excluindo as despesas de natureza financeira. A exclusão de juros e da amortização da dívida do cálculo fiscal não significa que o governo não esteja pagando os credores.
Pelo contrário, ao final do dia, o governo deve arcar com todos os seus pagamentos, inclusive suas obrigações financeiras. Se o governo tem que pagar os juros e o principal da dívida, então, para que serve calcular o resultado do setor público sem considerar as variáveis financeiras?
A ideia é que, se o governo atingir um superávit primário, ou seja, arrecadar mais do que gasta, excluindo as despesas financeiras, isso significa que a dívida pública não aumentará. Hoje, no Brasil, para estabilizar a dívida interna, é necessário um superávit de aproximadamente 2% do PIB. Nem é preciso dizer que estamos muito longe disso.
No ano passado, o déficit do governo foi de 0,10% do PIB, e a projeção para este ano é de -0,50%, de acordo com o relatório Focus do Banco Central. Os números já seriam ruins por si só – tendo em vista que o ideal seria um superávit de pelo menos 2% do PIB –, mas a realidade é bem pior do que parece. Isso porque, além da exclusão dos juros e da amortização, o cálculo do resultado primário retira uma série de variáveis que vão muito além das despesas financeiras.
Segundo reportagem do Estadão, R$ 387 bilhões ficarão de fora da meta durante o governo Lula. A PEC da Transição, o pagamento de precatórios, os gastos com as enchentes no Rio Grande do Sul e, agora, o plano de socorro aos setores atingidos pelo tarifaço estão entre as principais exclusões do cálculo do resultado primário.
Essa contabilidade criativa chama a atenção por vários motivos. O primeiro é que essas exclusões permitem abrir espaço no orçamento para que o governo possa gastar ainda mais, uma vez que as “despesas extraordinárias” ficam de fora da meta estabelecida pelo arcabouço fiscal.
O segundo é que, mesmo com as exclusões, o governo tem dificuldade em cumprir a meta. No ano passado, a meta era de déficit zero, e o resultado foi de -0,10% do PIB. Se considerarmos somente as despesas com as enchentes no RS, o déficit seria de -0,36% do PIB, abaixo do limite de tolerância inferior de -0,25% do PIB.
Por fim, excluir precatórios, auxílios a desastres e outros gastos não significa que a realidade fiscal melhorou e que as contas públicas ficaram no azul. Nada disso. No final das contas, o governo pagou por tudo isso, com impostos e com emissão de títulos de dívida (empréstimos contraídos com empresas e pessoas físicas). A exclusão de variáveis por contabilidade criativa altera o resultado primário, mas não muda a dura realidade das contas públicas brasileiras.
Isso posto, é espantoso como muitos economistas ainda dão tanta importância ao resultado primário.
Seria muito melhor dar atenção ao resultado nominal, uma métrica muito menos suscetível a manipulações, ao considerar a arrecadação menos todos os gastos do governo, sem exceção
Por esse cálculo, nosso déficit é de 7,30% do PIB, praticamente R$ 1 trilhão de todo o somatório de bens e serviços produzidos na economia em um ano.
Como o resultado nominal é bastante negativo, consumindo mais de 7% do PIB, significa que o governo precisa se endividar cada vez mais para fechar as contas. Hoje, nossa dívida pública está em 76,6% do PIB, com perspectiva crescente.
Esses números só confirmam que a realidade se impõe sobre toda a contabilidade criativa e as maquiagens contábeis. Aliás, a própria ministra Simone Tebet reconheceu uma crise fiscal em 2027. Nisso, ela está certa.




