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Alan Ghani

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Jogo de privilégios

Responsabilidade fiscal no olho do outro é refresco

Fernando Haddad fala na necessidade de cortar gastos, mas, faz muito pouco. (Foto: André Borges/EFE)

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Virou moda no Brasil falar em responsabilidade fiscal. Todo mundo comenta a necessidade de cortar gastos para reduzir a dívida pública. A cobrança é mais do que justa. Mas, quem cobra está disposto a fazer a sua parte?

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fala na necessidade de cortar gastos, mas, na prática, faz muito pouco, o que ficou claro com a PEC da transição, o novo arcabouço fiscal e com o famigerado pacote de corte de gastos.

Parte do mercado acredita que Haddad é um ortodoxo, quer fazer um ajuste mais profundo, e quem o impede é seu chefe. Eu já sou um pouco mais pessimista. Acredito que o ministro compactua com as ideias de Lula, e se vende como mais “moderado”, “ortodoxo” a fim de acalmar o mercado, naquela estratégia good cop (Lula) e bad cop (Haddad).

Em essência, o governo federal – Lula, Haddad, Rui Costa, Tebet, etc. - não está disposto a fazer um ajuste fiscal. Não faz parte do DNA desta turma a ortodoxia fiscal. Isso é coisa da Faria Lima ou do malvadão mercado financeiro. 

Mas não é apenas o governo que não quer pagar a conta. O próprio Congresso adora cobrar o Executivo por mais responsabilidade fiscal, mas não abre mão de emendas, fundo partidário e eleitoral. Pelo contrário, os valores desses dispositivos crescem vertiginosamente a cada ano. 

Já o Poder Judiciário acredita que não tem nada a ver com a história do ajuste fiscal. O próprio presidente do STF, Luís Roberto Barroso, disse que o Judiciário não tem culpa pela crise fiscal, mesmo com os gastos da justiça chegando a ou 1,6% do PIB. Será que juízes, ministros do STF e promotores abririam mão de seus privilégios para melhorar as contas públicas brasileiras?

Por sua vez, os militares também não querem nem ouvir falar de medidas fiscais, como a reforma da previdência para as forças armadas e nem redução de privilégios para os membros da corporação. 

Na ciranda fiscal, não poderiam faltar também os governadores que pedem melhores condições de pagamento de suas dívidas juntamente ao governo federal.

Não é só na esfera pública que ocorre o problema. Muitos setores empresariais, com volumosos subsídios (renúncias fiscais ou acesso a juros menores), pagos com o nosso dinheiro, também não querem abrir mão dessas benesses do papai Estado. 

No final das contas, todo mundo tem seus argumentos e razões para dizer que sua área não deveria passar por corte de gastos.

Se ficarmos nesse jogo de quem tem mais importância, para justificar seus privilégios, o país não vai sair do lugar, e o calote da dívida pública se tornará inevitável no futuro

O mais triste nessa história é que todos os subsídios, gastos do governo, privilégios, perdão de dívida, etc., são pagos no final das contas por nós, pelo cidadão comum brasileiro, que não conta com nenhuma benesse estatal, pelo contrário. Não à toa, o vídeo do deputado Nikolas Ferreira sobre o PIX viralizou ao trazer esse sentimento de indignação da população brasileira.

Infelizmente, no Brasil, falta o entendimento de que não existe dinheiro público. Na verdade, o dinheiro do governo advém da sociedade por meio de impostos ou empréstimos feitos ao Estado.

O único jeito do Brasil sair dessa situação seria uma espécie de Plano Real Fiscal, no qual todos deveriam pagar pelo ajuste. Quando todo mundo paga, a capacidade de aceitação do ônus é maior.

No Brasil, o ajuste fiscal obrigatoriamente passa pelo enxugamento da máquina pública, redução de privilégios para políticos e altos funcionários públicos, diminuição de subsídios, corte de gastos para o Congresso, além da reforma da Previdência. 

Infelizmente, mesmo que todos os cortes sejam feitos, a reforma da Previdência também será necessária, devido ao envelhecimento da população e pelo fato de hoje as pessoas terem menos filhos A conta não fecha.

Evidentemente, ninguém gosta da reforma da previdência, pois terá que se aposentar mais tarde; mas certamente ela seria mais aceita pela sociedade brasileira caso as elites políticas e econômicas fizessem a sua parte também.

Entretanto, no Brasil, não há um projeto de nação, de longo prazo; apenas interesses corporativistas. Todo mundo quer ajuste fiscal desde que “não se mexa no seu queijo”. Como diz o ditado: “ajuste no olho do outro não arde”. 

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Conteúdo editado por: Aline Menezes

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