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O mundo acompanha atento o shutdown nos EUA, paralisação de parte da máquina pública pela não aprovação do orçamento. Não é a primeira vez que isso ocorre, mas, sempre que acontece, o mercado fica apreensivo.
No curto prazo, há paralisação de alguns serviços do governo (funcionamento de parques e museus, serviços de imigração, emissão de vistos etc.), atrasos de pagamento e demissões de funcionários públicos. O mau funcionamento do Estado, juntamente com a perda de empregos de servidores, traz impactos negativos sobre o PIB americano.
O último shutdown, que coincidentemente ocorreu no primeiro governo Trump, durou 35 dias e reduziu aproximadamente 0,4 p.p. do crescimento econômico americano. Quanto mais durar o shutdown, maior será o dano à atividade econômica.
Como a paralisação prejudica a população, em algum momento democratas e republicanos chegarão a um acordo para votar o orçamento. Portanto, a questão não é se o shutdown vai acabar, mas quando vai terminar.
A corrida contra o tempo é um fator-chave, mas está longe de resolver a raiz do problema: a delicada situação fiscal norte-americana, caracterizada por elevado déficit e alto endividamento. A dificuldade na aprovação do orçamento, materializada no shutdown, é apenas um sintoma desse problema.
Muita gente se pergunta como a nação mais rica do mundo tem a maior dívida, em valores absolutos, do planeta (US$ 37 trilhões). A aparente contradição é explicada pela junção de dois fatores: a utilização do dólar como moeda internacional e a confiança na economia americana.
Como a maior parte dos países utiliza o dólar nas transações comerciais e financeiras, empresas, governos e pessoas do resto do mundo emprestam seus excedentes em dólares, obtidos via exportação de bens, serviços e capitais, para os EUA. A operação ocorre porque há grande confiança de que os EUA vão honrar sua dívida, dada a credibilidade das instituições e a força da economia americana.
Essa situação traz uma grande vantagem para os EUA. O país consegue financiar seus gastos com seguridade social, mercado imobiliário, operações militares e subsídios a empresas por meio da poupança externa do resto do mundo. Em outras palavras, há um grande fluxo de dólares para os EUA (poupança externa), na medida em que outros países compram títulos da dívida norte-americana, viabilizando crédito para diversas operações a taxas de juros muito baixas.
Enquanto os EUA conseguirem emitir mais dívida para pagar os juros e as amortizações de empréstimos contraídos no passado, não haverá problema. Entretanto, esse mecanismo não é sustentável a longo prazo se não houver contenção do déficit fiscal.
Evidentemente, muitos políticos nos EUA sabem disso — inclusive o próprio Trump —, mas ninguém quer assumir o ônus de um ajuste fiscal no presente, nem democratas nem republicanos. Apenas empurram a bomba-relógio para o futuro.
Chama a atenção que a guinada na dívida norte-americana seja recente. Na década de 1980, a relação dívida/PIB não era um problema, próxima de 35%. Nos anos 2000, passou para 60%; em 2010, para 95%; e hoje está em 125%.
A elevação da década de 1980 ao patamar atual é explicada por fatores circunstanciais (socorro aos bancos na crise do subprime e pandemia) e estruturais (despesas com seguridade social, saúde — Medicare —, aposentadorias e gastos militares).
É por essa razão que Donald Trump e a base de apoio do MAGA, ao contrário de muitos democratas e neocons, não são muito adeptos a guerras, devido aos custos humanitários e financeiros. Não à toa, Trump pressiona a Europa a pagar pela própria defesa, sem depender da proteção militar americana via OTAN.
Por fim, o déficit em transações correntes dos EUA, tão alardeado pelo governo Trump para justificar mais protecionismo, não é causa, mas sintoma do problema fiscal americano. Na verdade, a conta negativa em transações correntes é gerada pelo déficit fiscal do governo, o que os economistas chamam de “déficits gêmeos”.
Se essa situação persistir a longo prazo, pode significar a possibilidade de calote da dívida norte-americana, com consequências econômicas seríssimas para os EUA e para o resto do mundo (credores). Seria um shutdown mundial.




