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Pode um juiz julgar o invasor que vandalizou a sua casa? Qualquer pessoa sabe que não. Seria vingança se o fizesse. Teria que chamar um juiz de outra comarca para julgar seu ofensor, porque é parte do processo: é a vítima. Isso é claro, é óbvio. Mas é o que o Supremo está fazendo com aqueles que invadiram em 8 de janeiro de 2023 a sede do Judiciário numa baderna, numa arruaça. Ninguém estava armado e não havia alvo para o suposto golpe de Estado; e não se faz golpe de Estado contra o Judiciário.
A Débora do batom, no entanto, foi condenada a 14 anos de prisão por escrever “perdeu, Mané” - assim, em português correto, com a vírgula - numa estátua de granito que não foi danificada em um milímetro cúbico sequer. Ela não tem foro privilegiado, mas perdeu o direito de defesa, ao ser condenada na Corte Suprema, e não na primeira instância, assim como ficou presa preventivamente por mais de dois anos, o que é fora do devido processo legal, e ficar presa mesmo tendo filhos menores de 12 anos, o que não despreza o Código de Processo Penal.
O Supremo, que não tem representação popular do voto, tem imposto sua vontade. Parece a teimosia da vaidade. Esquecem que se o regime for democrático, é preciso que a origem do poder, o povo, saiba como se expressa sua vontade
Isso afeta todos os que foram presos por causa do 8 do janeiro. O Supremo não é o juiz natural deles, desobedecendo o art. 5º da Constituição. O foro deles é a 1ª instância e todos teriam direito a recurso na 2ª instância, no Tribunal Federal regional. Com isso, não há a ampla defesa, garantida no art. 5º da Constituição. Além disso, os que invadiram o Supremo têm um motivo duplo: não poderiam ser julgados pelo invadido, que é a vítima.
A soma de crimes tem elevado as penas por um truque que não respeita a consunção. Quando há um crime maior, não se conta a pena do crime subsidiário. O homicídio com arma ilegal, só apena o homicídio, não o porte ilegal. Além disso, estão enquadrados em golpe de Estado armado que não houve. Ninguém tinha arma nem foi comprovado que tivessem fazendo algo que não fosse uma manifestação contra a apuração sem transparência de seus votos.
Ano que vem teremos eleições e no mesmo sistema de apuração. Se o resultado for apertado, teremos as mesmas dúvidas. O sistema que o Brasil adota foi cancelado na Alemanha, por falta de transparência. O eleitor precisa compreender como seu voto foi apurado e tem que haver a possibilidade de recontagem. Isso já foi aprovado no Congresso por significativa maioria, que até derrubou veto de Dilma. Ninguém quer resultado de eleição como se fosse sorteio, em que gira um globo e cai um número. Mas o Supremo, que não tem representação popular do voto, tem imposto sua vontade. Parece a teimosia da vaidade. Esquecem que se o regime for democrático, é preciso que a origem do poder, o povo, saiba como se expressa sua vontade na escolha de seus representantes.
O Congresso pode resolver tudo isso. É o poder que recebe a procuração do gerador do poder do povo. É o mais importante dos poderes. Está em primeiro lugar no segundo artigo da Constituição. Mas o Congresso está com medo, porque muitos de seus integrantes podem ser julgados pelo mesmo tribunal. A solução é não eleger gente que tenha pendências no Judiciário. Ou mudar a Constituição para eliminar esse cruzamento em que o Senado aprova ou desaprova ministros do Supremo e o Supremo condena ou inocenta senadores e deputados. E deixar de sermos bonzinhos e passivos com os nossos servidores nos Três Poderes. Ou entregaremos tudo como cordeirinhos prontos para a tosquia.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos




