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Alexandre Garcia

Alexandre Garcia

Supremacia Judicial

O pau que bate em Chico

(Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF)

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Dois grandes jornais amanheceram no domingo com editoriais condenando a censura que o Judiciário impôs sobre uma reportagem da Zero Hora, que mostrava o escandaloso contracheque de uma desembargadora: R$ 662 mil em um único mês. O jornal e a jornalista autora foram condenados — pelo próprio tribunal ao qual pertence a desembargadora — a uma indenização de, coincidentemente, outros R$ 600 mil.

O teto no serviço público é de pouco mais de R$ 46 mil, e a Constituição determina que a administração pública deve obedecer aos princípios da legalidade, moralidade e publicidade. A remuneração, portanto, é pública. Ficou parecendo uma vingança, um aviso para não se meter com o Judiciário — um reflexo das ações do Supremo.

O Estadão intitulou seu editorial de "Uma Casta Acima da Lei" e concluiu ponderando que um poder sem limites se torna tirania. Já a Folha de S.Paulo, no título, chamou de "Censura do Judiciário" e concluiu que ela serve para intimidar veículos de comunicação e seus profissionais.

Quando o Judiciário bloqueou contas em redes sociais e em bancos, e até cassou passaportes de jornalistas que atuam no mundo digital, não me lembro de terem sido publicados editoriais condenando a censura, a intimidação e a justiça em causa própria, como represália por críticas. Como é verdadeiro o que disse o ministro Alexandre de Moraes, anos atrás: “Quem não quiser ser satirizado, criticado, que não ingresse na vida pública.”

Assim como o editorial do Estadão afirmou ser constrangedor ter que repetir o óbvio — que não há democracia sem imprensa livre —, sinto-me acaciano ao repetir o que está na Constituição: “É vedada toda e qualquer censura, de natureza política, ideológica e artística.”

No entanto, vivemos tempos de avanço de uma ideologia totalitária que não tem o menor constrangimento em citar a China como modelo de “regulação” da voz digital do povo. O governo já tem pronto um texto de projeto para impor censura prévia no Marco Civil da Internet, sancionado por Dilma em 2015, depois de muito debate no Congresso.

O primeiro passo da censura já foi dado, quando a revista Crusoé foi impedida de circular com a capa sobre “O Amigo do Amigo de Meu Pai”, porque implicava um ministro do Supremo. O Judiciário é composto por pessoas públicas que não suportam críticas. Por isso, foi instituído, na prática, o crime de opinião. A consequência é uma democracia de fachada, degradada. O ministro aposentado do Supremo, Marco Aurélio Mello, chamou isso de “decadência”. A consequência é a decadência de todos os valores democráticos. A democracia só se sustenta com liberdade de expressão.

A Advocacia-Geral da União acaba de insistir com o Supremo “para obrigar as plataformas a interromperem a disseminação de notícias falsas e impedirem a violência digital”, segundo a agência oficial. No governo em que se fraudaram descontos em aposentadorias e pensões de idosos, agora se alega que censurar as redes é proteger as criancinhas.

Esquecem que os censores de hoje podem ser os censurados de amanhã — como constataram, tardiamente, a Folha e o Estadão. É bem verdadeiro que o mesmo pau que bate em Chico também vai bater em Francisco.

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