Annalice Del Vecchio
Em época de férias escolares, pipocam pelo país homenagens a José Bento Monteiro Lobato, o criador de Emília, Pedrinho, Narizinho e outros personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Um exemplo é a mostra em cartaz no Shopping Mueller, que traz 34 imagens do acervo da família e totens que narram episódios da biografia do autor.
A tarefa de autorizá-las e, por vezes, conversar com a criançada sobre este que é um dos maiores nomes da literatura infantil cabe a sua “netinha”, que contabiliza mais aniversários do que o avô quando morreu, em 1948, aos 66 anos.
“As crianças ficam decepcionadas quando veem chegar uma velha. Então, eu explico que eu era neta e agora sou uma avó”, diz Joyce Kornbluh, de 79 anos.
Com o apoio do marido, o engenheiro Jorge Kornbluh, ela cuida do legado do avô, a despeito de não carregar seu sobrenome.“Meu pai achou que o nome dele, Campos, era suficiente, para não ficar muito comprido”, conta. O outro neto, Rodrigo Monteiro Lobato, primo de Dona Joyce, se encarrega de transmitir aos descendentes o célebre sobrenome. “Ele era muito criança quando meu avô faleceu e por isso não tem uma memória dele”, explica a arquiteta.
A escolha pela profissão teve, indiretamente, a ver com o peso da figura do avô. “Quem tem alguém que escreve na família tem complexo. Tem sempre alguém dizendo ‘como ela escreve assim tendo um avô como aquele?’”, diz. Mas, na faculdade, as lições de aritmética do avô, autor de Aritmética da Emília a salvaram da reprovação.
Se nunca quis escrever, para não ser tolhida, tornou-se uma leitora ávida graças às tardes que passou com a melhor amiga no porão da casa dos avós, brincando de casinha dentro de caixotes cheios de livros da biblioteca de Monteiro Lobato. “Só trocávamos de caixa depois de ler tudo o que ela continha”, lembra.
Para Dona Joyce, que conviveu com Monteiro Lobato até os 18 anos, ele “era apenas um avô querido e mais nada”. Não, ele não lia histórias para ela. Estava quase sempre no escritório, onde escrevia das quatro às onze da manhã. Muito menos discutia literatura com a netinha. “No máximo, ele perguntava ‘Você já leu Mark Twain?’. E eu dizia: ‘já, vovô’. ‘E Monteiro Lobato?’. ‘Já vovô’”, conta.
A convivência com o avô foi atribulada por inúmeros episódios da biografia de Lobato como a sua prisão, o período que passou na Argentina e sua doença. Mas sempre que podia, a neta ia visitá-lo. “Quando meus avós viviam na minha rua, eu sempre fugia para lá e dormia na cama deles, pois a casa era muito pequena”, lembra.
Se na literatura Lobato era um crítico severo da realidade, em casa não podia ser diferente. “Eu tinha mania de desenhar em qualquer papel, desenhei horrores nos livros do Tarzan, e Juca (apelido familiar do escritor) achava que eu não devia estragar os livros”. Reinadora como a personagem Emília, Joyce desenhou em um documento do avô. “Daí ele ficou bravo!”
Mas o personagem preferido da menina era mesmo o Visconde de Sabugosa. “Eu achava o máximo uma de suas criações, o pó de pirlimpimpim. Tinha motivos escusos para isso, é claro, queria o pó para sumir da aula de matemática”, conta.
A neta lembra do esforço de Monteiro Lobato para continuar escrevendo quando ele teve o primeiro derrame. “Ele nunca parou, mesmo quando perdeu o senso de direção e teve que reaprender a escrever. Era um dínamo.”
Dona Joyce gosta de imaginar o que o avô, um sujeito tão à frente do seu tempo, estaria fazendo se estivesse vivo. “Acho que ele estaria curtindo o computador, talvez escrevendo um blog. Ele tinha a mente aberta a qualquer coisa moderna, que ajudasse as pessoas.”
Serviço: Vida e obra de Monteiro Lobato. Piso Cinemas do Shopping Mueller (Av. Cândido de Abreu, 127). Fotografias e painéis sobre a vida de Monteiro Lobato (1882-1948). Com curadoria de Carmem Arrata. De segunda a sábado, das 10 às 22 horas, e domingo, das 11 às 22 horas. Até 19 de julho.



