

Thiago Lacerda e Magali Biff em cena de “Calígula”
Por Alexsandra Bentemuller
Thiago Lacerda personifica o mal no papel do insano imperador romano Calígula na montagem homônima que integra a Mostra Contemporânea do Festival de Curitiba, com última sessão nesta sexta-feira no Teatro Guaíra. Para quem espera ver no palco cenas de orgia como as de Tinto Brass no filme Calígula (1979), esqueça. No espetáculo concebido por Gabriel Villela (da premiada montagem Salmo 91), Calígula no máximo aperta os seios da amante Cesônia (Magali Biff) e dá um beijo na boca no seu alter ego espiritual, o poeta Scipião (Pedro Henrique Moutinho). Toda a libido do tirano está sugerida em palavras e ideias.
A peça, da autoria de Albert Camus (1913-1960) e escrita em 1942 nos primórdios da Segunda Guerra Mundial, denuncia a perversão do poder. Conta a história do terceiro imperador romano Gaius Caesar Germanicus, o Calígula, que governou Roma entre 37 e 41 e ficou conhecido por sua extravagância e crueldade.
Movido por um desespero existencial após a morte da sua amante e irmã Drusilla, Calígula decide levar às últimas consequências o limite humano. Ele submete a população romana a uma série de caprichos e atrocidades. Nomeia senador seu cavalo Incitatus, deserda patrícios em nome do Estado, tortura seus opositores, violenta suas mulheres e ainda abre um bordel público com as viúvas de suas vítimas.
Numa mistura de drama e humor, o espetáculo privilegia (e muito) o trabalho de Thiago Lacerda. O ator expõe com força a “síndrome de transcendência” de Calígula. A plateia deixa escapar gargalhadas com as decisões absurdas do imperador. No elenco também estão Magali Biff (Cesônia), Pascoal da Conceição (Cherea), Jorge Emil (senador romano e Ruffius, o poeta), Rodrigo Fregnan (Hélicon), Pedro Henrique Moutinho (Scipião, poeta) e Ando Camargo (intendente do tesouro romano e Metellus, poeta). A tradução ficou por conta de Dib Carneiro Neto, dramaturgo e jornalista, parceiro de Gabriel Villela.
O cenário também surpreende. Aparentemente simples no começo, no decorrer da peça uma tela ilustrada aparece atrás do palco com referências à história, como o desejo de Calígula de possuir a Lua.
A montagem termina ao som de Edith Piaf, Non, Je ne Regrette Rien – uma escolha perfeita. Calígula, como diz a música, foge do passado e tenta recomeçar. Para ele, a vida é um não-sentido constante. A plateia embarca fácil na sua insanidade. A narrativa é um convite a um exercício de compreensão dos limites da mente humana. De quem deseja ser Deus não o sendo. De quem se dá conta de que os homens morrem e não são felizes. De quem é lógico a qualquer custo. De quem deseja impossível: a lua, a felicidade e a vida eterna. Em Calígula, pode-se.
Serviço: Calígula: sexta (20), às 21h, Guairão (R. Cons. Laurindo, s/nº – Tel.: (41) 3315-0979). Ingressos a R$ 40 e R$ 20 (meia). Confira o serviço completo do espetáculo



