Para quem já leu o livro de Alain Button, Ensaios de Amor, usado como base do espetáculo Histórias de Chocar, que faz sua última apresentação hoje no Sesc da Esquina, a peça guarda mesmo um choque inicial: a materialização da personagem feminina, alvo do amor do narrador.
Na literatura, ela não é alguém por inteiro, e sim a percepção que aquele que a ama faz dela. A princípio, idealizando-a. Com o tempo, percebendo falhas entre o ideal e o real. Até que as atitudes da (antes) amada se tornem motivo de irritação. Enfim, o percurso do amor romântico do início ao fim.
Na adaptação feita pela escritora Adélia Nicolete com os atores Paulo Azevedo e Rita Clemente, os dois lados do casal são representados. Paulo assume o papel de Júlio, enquanto Rita dá corpo a Irene. E algo que havia de essencial no livro perde força nessa mudança: a solidão do amor. Quando deixamos de ver a amada apenas pelos olhos daquele que a ama, não vemos também o encantamento único que ela produz sobre ele – e só ele. Nem seu revés.
É certo que a peça é uma obra independente do livro em que se inspirou e cobrar que se mantivesse fiel seria não só injusto, mas impossível, pelas particularidades de cada linguagem.
Histórias de Chocar tem seus bons momentos, como a criativa solução para as cenas de sexo entre o casal, e se vale (parcialmente) dos méritos preexistentes no texto de Button, com alguma reflexão e o humor, agradando a plateia.
Falta-lhe o que sobrava nos primeiros trabalhos do grupo Espanca! (do qual participaram Rita, Paulo e Adélia): que cada frase dita em cena, cada ação, se proolonguem e seus efeitos atinjam o espectador além da sua duração. Ainda depois que se desmanchem no ar.
*Última apresentação hoje, ás 21 horas, no Sesc da Esquina.



