

Quem vê a pacata e bonachona figura de Jello Biafra — que já não toca mais com os Dead Kennedys, não tem mais tanto cabelo e ostenta uma considerável barriga — não imagina o domínio cênico e a presença de palco que o frontman da banda The Guantanamo School of Medicine possui. Os expectadores de seu show, ontem à noite, no Espaço Cult, no Largo da Ordem, viram não um dinossauro do rock, capengando rumo à decadência, mas de uma lenda viva que continua com a mesma intensidade e energia que o consagrou nos palcos de São Francisco no final da década de 70.
Com 53 anos, Biafra subiu no palco após o show da banda de abertura, No Milk Today, vestindo um jaleco branco, luvas de borracha vermelhas e uma camiseta cuja estampa era a bandeira dos Estados Unidos – quase um uniforme de palco, de tão recorrente. Abriu os trabalhos da noite com a música “The Terror of Tinytown”, do disco The Audacity of Hype, o público que até então estava um pouco apático acordou. A tradicional roda de pogo se abriu enquanto os primeiros loucos se arremessavam do palco. Uma menina, abraçada com o namorado, comentav: “Ele é muito lindo!”. Bom, lindo talvez não seja, mas carismático sim. Jello Biafra cantou, gritou, dançou, fez gestos e mímicas para acompanhar cada música de sua contagiante performance. “Electric Plantation”, “New Feudalism” e “Three Strikes”, todas de seu mais recente projeto, foram cantadas em coro pelo público, mas materiais ainda inéditos como “Barack Star O’Bummer”, “John Dillinger” e um spoken word sobre os criminosos de guerra do governo Bush que sustentava o bordão “torture is not ok” (tortura não é ok) não deixaram o público a ver navios.
A gama temática de Jello Biafra and The Guantanamo School of Medicine é praticamente restrita à política norte-americana, embora fuga com canções como “The Cells That Will Not Die”, sobre o curioso caso de Henrietta Lacks, cujas células cancerosas continuam a crescer mais de 60 anos após sua morte. Humanista e liberal, o vocalista cantou “Three Strikes”, sobre a lei que estipula prisão perpétua para o réu que reincide duas vezes, “Strenght Thru Shopping”, sobre a sociedade consumista, entre outras canções cujas letras não negam um engajamento ativo de seu autor. Performático e caricato, Biafra falou da repressão às drogas nos Estados Unidos e o polêmico sistema prisional privado, além de criticar o FMI e os acordos econômicos estipulados na era Clinton, como o NAFTA, a ALCA e a OMC.
Foi só, porém, quando a banda tocava os clássicos do Dead Kennedys a plateia vinha abaixo. O primeiro foi o hino “California Übber Alles” com a letra adaptada — de Jerry Brown para Arnold Schwarzenegger — e depois “Nazi Punks Fuck Off”. Todos cantavam junto com Jello Biafra, que aproveitava os refrões para se jogar na plateia no melhor espírito punk. No bis, entoou a famosa “Holiday in Cambodia” e ainda voltou uma segunda vez para tocar mais duas de seu primeiro álbum. Jello Biafra Deixou o palco após pouco menos de duas horas de show com o público gritando incansavelmente seu nome. Roqueiros quarentões, adolescentes e jovens de menos de trinta anos de todas as tribos partilharam da mesma admiração por um velho punk que ainda tem o que é preciso para fazer história em qualquer palco.



