
O colega de redação Márcio Renato dos Santos senta a um metro da minha mesa e quase de frente para um quadro de 8 ½, filme de Federico Fellini, que fica aqui nos espreitando. Ele nunca falou um “a” sobre a cara engraçada do Marcello Mastroianni nem sobre a obra-prima do diretor italiano.
Mas quando virei o pescoço e o avisei que a banda Fellini iria tocar no Rock de Inverno 7, sua expressão mudou. Os olhos por trás dos óculos brilharam e aí eu não tive escolha: passei a bola e ofereci a entrevista com Cadão Volpato, gaitista e vocalista do grupo. “Faz lá, Márcio”.
Com outras pautas na frente, não deu. Eu fiz a entrevista, conversei longamente com o Volpato e escrevi a matéria sobre o Rock de Inverno (leia aqui), que começou ontem e segue até sábado.
O fato ocorrido com o Márcio ilustra a importância da banda paulista, desbravadora do cenário independente brasileiro. Os dois shows que fazem em comemoração aos 25 anos de carreira – um foi em São Paulo, na quarta-feira, e o outro será sábado, em Curitiba – fizeram fãs, encolhidos como o próprio grupo, também ressurgirem.
“Eu tenho todos os dicos em vinil. Se eu não for ao show, vou ouvi-los em casa”, diz o Márcio, que não titubeia ao escolher sua música favorita: “Teu Inglês”, do álbum Três Lugares Diferentes (1987). Foram cinco discos de história.

Fellini em ação: banda volta a subir em um palco depois de seis anos.
Mas o que há de tão genial? Também respostas rápidas. “São músicas melódicas não-óbvias. É sujo, tem uma tosqueira sedutora”, arrisca. Eu aproveitei e desatei a falar com o Cadão Volpato. A última apresentação da banda havia sido em 2003, no Tim Festival. Segue parte da entrevista – que não entrou na edição impressa:
Depois de tanto tempo sem tocarem juntos, como faz? Tem que ensaiar muito?
Sim. Ensaiamos ontem, temos que retomar o ritmo. Vamos fazer um show de rock mesmo. Haverá duas guitarras. Estamos nos surpreendendo com o resultado.
Porque acham que a banda deu tão certo durante o tempo que durou?
Nós gostamos muito de musica, evidentemente. Havia também uma química entre os quatro membros. Todos eram apreciadores de música. Hoje eu não sei… não tocamos mais, então temos uma ideia mais crítica sobre o que aconteceu. Nós não entramos na decadência como outras bandas, já que terminamos no auge. Deixamos um legado bacana.
E sobre a importância de vocês? Já foram citados por Marcelo D2 e Chico Science como influência.
Eu e o Chico nos encontramos casualmente nos bastidores do programa Metrópolis, que eu apresentava. Eu ouvi um som no fundo, parecido com olodum, e quis ver quem era. Aí eles me vieram me falar que tinham influência da Fellini. Eu não sabia já tínhamos essa importância.
Suas lembranças de Curitiba, quais são?
Eu gosto muito da cidade. Toquei aí sozinho em 2005. Sempre que vou acho coisas interessantes. A última foi o Museu do Olho.
Conhecia o Rock de Inverno?
Não, nunca tinha ouvido falar. Recebemos o convite, e o Thomas [Pappon, guitarrista] ouviu algumas bandas e as achou muito boas. E olha que ele é chato pra música. Eu vou ver o máximo de shows que puder, estou muito interessado.
Já que não há mais a música, ao menos oficialmente, como está a vida de vocês hoje?
O Jayr [Marcos, guitarrista mora em Londres]. Eu sou escritor e jornalista. O Thomas trabalha na BBC, também em Londres. O Ricardo [Salvagni, baixo] está no mercado financeiro. Eu fiquei pensando se teria sido legal para a gente viver de música. E não sei. Uma coisa é ter o seu talento reconhecido, outra é ganhar o pão com isso. É uma chatice fazer turnês de ônibus. O David Byrne ainda faz isso, o cara é muito rock. A música é uma coisa muito legal, mas como forma de ganhar a vida, aí é complicado.
Como lidaram com as críticas na época de sucesso?
A gente era meio maluco, de difícil acesso, mas tivemos muita sorte. Éramos queridos pela crítica. Gostavam muito de nós mesmo. Acho que foi sorte.
Pensam em voltar de vez?
Isso está fora de qualquer hipótese.
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Serviço
Rock de Inverno 7
Sexta-feira, dia 24
Liquespace, Pão de Hambúrguer, Hotel Avenida, Nevilton, Diedrich & Os Marlenes, 3 Hombres e Beto Só. John Bull Music Hall (R. Eng. Rebouças, 1.645), (41) 3026-5050. A partir das 20 horas. R$ 10 + 1 quilo de alimento não-perecível.
Sábado, dia 25
Heitor e Banda Gentileza, Je Rêve de Toi, ruido/mm, Koti e os Penitentes, Fellini, Mordida e Lestics. John Bull Music Hall (R. Eng. Rebouças, 1.645), (41) 3026-5050. A partir das 20 horas. R$ 10 + 1 quilo de alimento não-perecível.
Mais informações sobre as bandas em www.rockdeinverno.com.br



