
O “cidadão samba” de São Paulo Osvaldinho da Cuíca está em Curitiba para o show História do Samba Paulista, que acontece neste fim de semana, no Teatro da Caixa, com ingressos esgotados. Em entrevista por telefone à Gazeta do Povo, o sambista nascido em 1940, que foi um dos grandes guardiães do samba na cidade — na época em que era praticado pelos engraxates, quando ainda era proibido –, falou sobre a apresentação com a maior tranquilidade (leia mais

Com a proximidade do carnaval, o show pode ser uma oportunidade para o público descobrir a tradição que deu origem ao samba de hoje?
O carnaval não é motivação, porque a escola de samba está muito deteriorada. Evoluiu em tecnologia, em artes plásticas, mas em questão de enredo e samba-enredo, está 100 anos para trás. O espetáculo está cada vez mais bonito, mas a música, cada vez mais uma porcaria. Ela não vira sucesso como antigamente. Está muito ruim. E, no enredo, é o capitalismo quem manda. É tudo manipulado, alienado e vendido para os patrocinadores, que impõem seus produtos como exigência em troca de dinheiro.
Por exemplo?
Isso acontece em todas as grandes escolas. A Gaviões da Fiel o Lula patrocinou [o enredo de 2012 é “Verás que um filho fiel não foge à luta – Lula, o retrato de uma nação”]. A Vai-Vai está com o patrocínio da Bombril [o enredo é “Mulheres que Brilham – A força feminina no progresso social e cultural do país”]. A política está muito presente, patrocinando, o que é proibido, além de ser imoral. As escolas de samba recebem subvenção, e não se pode fazer propaganda política com dinheiro público. E se continuar desse jeito, daqui a pouco a Coca-Cola vai colocar uma garrafa no estandarte da escola.
O senhor foi um dos grandes incentivadores do carnaval paulista, fazia samba em uma época em que as escolas não tinham estrutura alguma. Está decepcionado com o caminho que tomaram?
Sou fundador da ala de compositores da Vai-Vai, onde fui diretor artístico. Mas há 20 anos não apito nada, porque mudou tudo. Ninguém vai que querer que eu imponha um enredo falando do Henricão, do Alfredo Le Pera – que fez o sucesso de Carlos Gardel. Daria o maior enredo, porque entraria o tango, entraria a França (porque sua mãe era francesa). Mas ninguém quer me ouvir, porque cultura não dá dinheiro para escola de samba. Elas querem ganhar o carnaval e querem dinheiro. Agora a escola é do negócio, não do sambista. Eu desfilo na Vai-Vai, mas do meu jeito, mais barato. Desfilo na [Escola de Samba] Passos de Ouro, porque o enredo sou eu. E vou embora pra casa. Porque trabalho muito e não vou gastar energia lá. O carnaval já não é mais do sambista. Nossa participação ali é zero.
Então o senhor está participando do carnaval meio contrariado…
A gente tem que perdoar os ignorantes, tem que aprender a conviver com a maldade. Me incomoda o ritmo acelerado. Às vezes, a escola está com um samba bom, mas estraga acelerando demais. Nesse ritmo é impraticável fazer uma letra com uma frase melódica bonita. Eu não tenho mais a paixão de trabalhar nas escolas. Eles me usam como símbolo, mas não tenho voz ativa e participação. São os tempos modernos: a neurose tomou conta e veio a falta de sensibilidade.



