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O secretário especial da Cultura, Mario Frias.
O secretário especial da Cultura, Mario Frias.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Eu não gosto de Paulo Coelho. Acho que as únicas coisas interessantes feitas por ele são em coautoria com Raul Seixas. Eu poderia fazer um texto sobre minhas opiniões relativas a Paulo Coelho, mas elas teriam que ser interessantes e fundamentadas. É meu trabalho fazer textos, tenho liberdade para escolher temas e o leitor sabe disto. Por isso seria razoável escrever para vocês sobre Paulo Coelho. Se eu fosse fazer um texto sobre esse escritor do qual não gosto nem um pouco, levaria em conta que falar mal de Paulo Coelho é esporte nacional, e que ele faz muito sucesso no exterior. Eu não iria simplesmente despejar lugares comuns na cara do leitor. Acho que eu faria um texto dizendo que somos mesmo o melhor país do mundo, já que sabemos que Machado de Assis é infinitamente superior a Paulo Coelho, enquanto o resto do planeta mal sabe quem é Machado de Assis.

Fico aqui pensando em que voltas eu daria para trabalhar a minha opinião banal sobre Paulo Coelho e transformá-la num texto. A dupla Frias & Porciuncula, porém, não faz textos: faz tuítes. Tuítam suas opiniões banais que, por serem banais, encontram muita gente que concorda com elas. E como, nestes tempos de crise de saúde mental, as pessoas estão se avaliando umas às outras apenas com base em opiniões emitidas, desdenhando solenemente de ações feitas, a dupla Frias & Porciuncula encontra uma montanha de apoiadores bolsonaristas nas redes sociais.

Animais racionais demissionários

Digam se não é tudo assim, para muita gente hoje: eu vou ao Twitter e digito as opiniões corretas; vou aos grupos de WhatsApp e idem; vou (se não ficar em casa) à reunião de amigos e emito as opiniões corretas. Assim sou aceita pelos meus pares e fica tudo bem. Mas se eu digitar ou emitir uma opinião incorreta, aí a casa cai – eu sou uma má pessoa!

Então um certo conjunto de seres humanos, notadamente na classe média (que é sempre mais ideologizada) acaba parecendo umas aves grasnando, em vez de animais racionais. Porque há um estoque limitado de opiniões corretas, que são repetidas sem pensar. No fim é tudo som, seja o da voz emitida pela boca ou das letras, pensados pela cabeça que lê. Quem vive assim é um animal racional demissionário: desistiu de pensar e agora quer só grasnar. Com “Bolsonaro genocida!”, em geral não se quer dizer nada; quer-se somente grasnar para atrair a turma certa e repelir pessoas erradas.

Eu tenho certeza de que progressistas têm essa mente que se demitiu da racionalidade e agora fica assim, grasnando as palavras e opiniões corretas. Mas dado que é uma estrutura mental, seria precipitado dizer que ela se restrinja a um grupo político.

A permanência de Frias e Porciuncula nos cargos de Secretário Especial da Cultura e Secretário Nacional de Incentivo e Fomento à Cultura mostram isto muito bem. Até o começo do governo Bolsonaro, os grasnados de direita diziam que “Olavo tem razão” e que os artistas são “mamadores da Rouanet”. É possível defender ambas as afirmativas fazendo uso da razão. Mas, como Olavo de Carvalho era um culturalista que defendia o valor intrínseco da arte, o mínimo do mínimo seria dizer que tais e tais artistas são uns mamadores da Rouanet. Não dá para desrespeitar a profissão dos artistas e querer que a alta cultura seja preservada.

Porciuncula, em um dos seus incontáveis tuítes, já se gabou de a cultura não ser uma profissão para ele. Não sei que arte ele produz. Sei que só na cabeça de Marx o homem um dia vai ser operário de fábrica de dia e crítico literário à noite, sem profissionalização. Na Antiguidade, na Idade Média, existiam as profissões de músico e de artesão. Como Porciuncula, que tem a experiência de capitão da PM, acha que é uma orquestra sinfônica? Um grupo de amigos que se reúne em final de semana?

Essas figuras chegaram ao cargo por grasnarem as coisas corretas. Enquanto escrevo estas linhas, Porciuncula está no Twitter dizendo não só que Paulo Coelho escreve frase de para-choque de caminhão, mas que é maconheiro e até plagiário. Que ganha com isso o Brasil? Essa não é uma pergunta que os grasnadores façam. O negócio é grasnar.

O que eles fazem?

Gente de cabeça sadia deveria perguntar o que fazem Frias e Porciuncula. Nesta coluna, tenho feito coro a Josias Teófilo no que concerne à inação da dupla. Até onde eu saiba, foi ele quem primeiro denunciou a ausência de planos para a comemoração do Bicentenário da Independência. Os patriotas deveríamos levar as mãos aos céus por termos posto na presidência da República em 2022 alguém que fala bem do próprio país. Se fosse Haddad, aposto que em 2022 veríamos uma Anticomemoração Antinacional que só iria falar mal do Brasil, dizendo que aqui só tem escravo, espancador de mulher, matador de LGBTQUIABO e incendiário de florestas. Seríamos apresentados como um Vitimistão que precisa de cota para tudo. Quiçá a Independência foi mais uma opressão engendrada pela masculinidade tóxica e nós não devêssemos entregar nossa soberania a Macron, que é bonzinho e vai saber dar amor às girafas chamuscadas da Amazônia.

Por isso mesmo é que os artistas de esquerda não tocam no assunto do Bicentenário, e coube a um artista de direita, pessoalmente próximo de Olavo de Carvalho, chamar atenção à inação dos tuiteiros que ora tomam conta da Cultura (agorinha mesmo, enquanto escrevo, Porciuncula xinga Josias de vagabundo e maconheiro). Graças a essa inação, é bem possível que tenhamos Anticomemorações Antinacionais em estados e municípios feitas com dinheiro federal, já que Frias e Porciuncula pegaram um projeto de lei de Jandira Feghali e o usaram para socorrer os artistas na pandemia.

Se é verdade que as eleições nos pouparam desse espetáculo no plano federal, nenhum bem foi promovido pelo próprio governo federal. Em meio a uma chuvarada de artigos em diversos jornais que seguiram a toada de Josias Teófilo, a dupla de tuiteiros veio a público em julho dizer que naquela semana mesmo iria apresentar algo. Não apresentaram projeto nenhum.

Mas se a dupla fica no Twitter chamando Paulo Coelho de maconheiro está tudo bem? Só na cabeça de doente mental, que não enxerga a importância de ações.

Picuinha contra o Museu do Ipiranga

Enquanto isso, quem tem projeto é Doria. O governo de São Paulo captou recursos via Lei Rouanet e iniciativa privada para restaurar o Museu do Ipiranga (por aí já se vê que não, a Rouanet não serve só para astros da MPB, e às vezes é só uma complementação do total de recursos). É uma vergonha esse museu estar há tanto tempo fechado, e que bom que Doria vai reabri-lo. O brado foi dado em São Paulo, é bom que o governo de lá não deixe a data passar em branco. Qual a conduta de Frias frente a isso? Esculachar a reabertura do museu e dizer que não vai deixar reinaugurar, não.

Se existe uma coisa que deveria estar acima de qualquer picuinha política, é a preservação do patrimônio cultural. Não há qualificativos publicáveis para um secretário da Cultura que levante obstáculos à reabertura do Museu do Ipiranga.

É uma vergonha que os encarregados da política cultural federal só apareçam por causa de barraco no Twitter. Isso é um sintoma de corrupção moral, de falta de discernimento. Afinal, ações importam mais do que ruído de Twitter.

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